segunda-feira, 1 de novembro de 2010

O Escritor Maluco.: porque literatura?

O Escritor Maluco.: porque literatura?

Conto Dezenove. Todos Procuram Novidades.







Homo Sapiens

Maurice Larval veio para “o safári”. Ainda na França, estava convencido da importância dessa “caçada”, ainda mais, se tratando desse ambiente perigoso. Era fascinante. Trouxe a sua melhor câmera, a digital. Pensava que esse era o lugar perfeito, e além do mais, havia o elemento surpresa, que serviria para as fotos espontâneas. Pensava: “que a lente capte o animal. Pêlos enrustidos e lisos. A imagem dessa pequena figura ardente”. Depois de semanas de preparativos, Maurice chegou do vôo da França para o Brasil. No aeroporto do Rio de Janeiro ele encontrou Noel, amigo e organizador da “caçada”. Naquele dia de Agosto choveu na cidade, finas gotas durante toda a semana:
- mas que dia cinzento, onde esta o tempo maravilhoso que eu vi naquele cartaz em Nancy?”
Mas Noel o reanima. Diz que no dia seguinte, com certeza apareceria o sol. Pegam o van da agencia de turismo. Chegam ao hotel, onde eles se acomodam cansados e ansiosos.  Começa a chover mais forte, e seus amigos pensam em adiar a viajem ao local indicado para as fotos, mas o francês esta decidido, vai de qualquer forma. Ele pergunta:
- mas Noel, não existe nenhum risco? E se a criatura se sentir acuada, nós podemos ser feridos?
O amigo do francês coça a orelha, olha para o lado pensativo:
- na verdade ele é pequeno. É de pequeno porte. Mas eu estou preocupado com outras coisas.
Naquela tarde pegam um van amarela e se dirigem para o local onde o “animal” foi localizado. Passam por uma barreira policial no pé do morro. O carro para na barreira. Três policiais com capas de chuva se aproximam:
-para onde vocês vão? Essa área é perigosa. Não estão ouvindo o tiroteio lá na frente?
Noel conhecia os policiais e explicou o objetivo deles - não dá para a gente da à volta por baixo do morro? Estou falando naquela estradinha do deposito de gás! Vamos lá, quebra o galho da gente!
Os policiais fazem uma conferencia. E decidem liberar a passagem mediante um pequeno “pedágio”. Na passagem do deposito de gás, eles vêem dois corpos estirados na rua de paralelepípedos. Um grupo de policiais carrega mais um presunto e o joga perto dos outros. Maurice faz algum comentário sobre o Iêmen. O estrangeiro sentia-se excitado com tudo aquilo. Logo lhe veio às lembranças de um safári na áfrica central, quando ficou a menos de vinte metros de uma leoa que mastigava uma gazela. “O fotografo saiu finalmente para caçar” pensou. Após o tiroteio entre a policia e os traficantes, Larval pensou em desistir. Mas não. O barulho repetitivo dos fuzis automáticos só serviu para atiçar ainda mais os seus instintos. Para que tudo isso fosse motivo de maior orgulho, quando o resultado viesse.
Chegaram próximo ao local, e perceberam que estavam em um monturo de lixo perto de uma pequena estrada de terra que ia dar em um matagal. Desceram da van e carregaram o equipamento. Andaram um pouco até um barraco abandonado perto de grandes rochas cheias de pichações. Chovia fraco. No barraco de papelão, colado na parede, viram uma noticia anterior sobre um desabamento de encosta, de um mês atrás. A chuva caia fraca. Esperava que “ele” saísse da caverna. “A criatura”. O francês se perguntava se podia entender bem aquela situação. O aspecto de cripta que era esse lugar, um lugar ermo, no pé do morro. Onde alojam as pessoas, pseudos seres humanos. Seres humanos. Porque não permitiam que fossem humanos. Essa ideia rondava Larval como um campo de forças invisível. Em sua digressão, era como se em algum tempo passado tivessem expulso aquelas pessoas da crosta terrestre. Tal a imagem que ele se deparou. Pessoas tristes e acéfalas. E tudo isso, dava a tudo ali, uma sensação de surrealidade. E a ele um sentimento de deslocamento e hesitação.
Naquele ambiente de barracos semi destruídos, cheio de lixo, ali perto da caverna, preparam-se para as fotos. Todas as máquinas apontam para a entrada. Uma boca enorme e escura. A luz está boa. A chuva parou. E agora tudo é quietude. Uma sombra aparece. É a “criatura” que vem saindo na boca da entrada. Espantam-se com a figura. Maurice e Noel se entreolham. O menino agora na boca da caverna, quase nu, escuro e sujo. Olhar que se perdia. Esperava (em expectativa?), que lhe fosse atirado alguma coisa. Um pedaço de pão talvez? De cócoras, cabelos duros e desregrados, corpo esquálido arqueado, virou-se para a câmera. E pipocam as tomadas. Como tiros curtos e insensíveis. Um registro trágico. Eterno é incompreensível. Assim desejava o estrangeiro. E foi assim, que ficou. O registro para a posteridade. Para o “safári” de Larval. O menino, preso na foto, como um prêmio a ser “apreciado” por uma sociedade “globalizada”.