sábado, 30 de outubro de 2010

Conto Dezessete. Tudo Pela Arte.





Poesia Amarga
Ela escreve na sala abjeta. Não consegue encontrar a rima para a palavra “absurda”. Em um vestido gasto e imemorial, em uma fúria abrigada no lombo, procura a palavra exata. Para aqueles que não a conheciam, a sua forma era intratável como um ouriço de espinhos venenosos. Diziam os críticos, que sua personalidade raivosa derretia os metais das portas e janelas. Mas ela nunca ligou para aqueles improfícuos. Ela era livre. Transitava livremente por aqueles cubículos abomináveis, de atmosfera espessa. Comia quando queria e quando podia. Mas a escrita dolorida, essa não podia esperar. Pensava e repensava um livro. Um testemunho. Saia apenas o suficiente para atender alguma necessidade básica, imediata. Logo voltava a pequena sala humilde e atulhada de coisas inúteis: um som estéreo sem voz. Uma estante de poeira adstrita. Um pescoço de mesa. Naquele local úmido, pestanejava e historiava. Cogitou a sua própria morte. Pensou que nenhuma poesia seria mais real e inevitável. Lembrava também de suas aventuras corriqueiras. Fugira de um sanatório, xingou uma autoridade e agora depois de anos de diabretes, plantava cuidadosa suas flores invisíveis bem perto do pequeno supermercado. Naquela viela. A sua vida era assim. E naquela miserável condição sobressaiam as letras luminosas nas poesias, em contos e recantos, na difícil personalidade, na refrega de seus humores, na cólera rápida e básica que de repente brotava de seu intimo. Lembrou-se disso e se viu na frase da escritora Patrícia Highmith, “um grande artista não pensa, mas apaixona-se por uma grande idéia”. Tomou um pouco d’água. Folheou uma revista de um ano atrás. Procurou na grande bolsa uma calcinha limpa, não achou, e desistiu por um momento. Sentou-se a mesa e pegou um caderno com alguns poemas seus já prontos. “Esse aqui é meio lúdico, detesto poemas assim”. Procurou um que tentava completar. Quando lá de longe, de um lugar prestímano lhe vinha surgindo uma idéia, quando uma alegria insinuava-se por sua face, quando já pegava o lápis para escrevinhar. Alguém empurrou a porta como se fosse uma imprecação de Deus. Um odor nauseativo de bebida dominou o cômodo. E aos berros um sujeito corrosivo, deplorável, indigno, perguntava sobre dinheiro. Com uma grande barba convulsa e poeirenta, um olhar silvícola, lançava imprecações a ela. Nesse gesto imprudente e inexplicável, queria a todo custo algum para a dose da tarde. Ela virou a cabeça lentamente, não acreditando no que via. Sem dizer uma palavra, levantou-se. Foi até a um canto de parede e pegou um porrete de uns setenta centímetros, e num gesto típico de sua fama, partiu para cima do intruso. O primeiro golpe foi no meio da testa. Enquanto o corpo tombava, desferiu o segundo golpe no lado esquerdo do rosto. Nessa cena chocante, o barbudo caiu inerte, apagado como um tubo de imagem destroçado. Poderíamos dizer que sem maiores remorsos ela se virou e sentou-se de novo. E foi assim que realmente se sucedeu. Foi como se nada de anormal houvesse ocorrido. Ela pigarreou. Ajeitou os cabelos, e com uma duvida no canto do olho procurou e achou uma frase bonita para uma ultima estrofe.









Conto Dezesseis. Uma Escolha Terrivel.







A Pedra


Aquele rapaz não sabia o porquê de tantas pessoas nervosas. Punhos elevados, elas pareciam a ele que estavam prestes a fazer alguma besteira. Um grande caminhão de som estava cruzado na rua. Uma multidão gritava e aplaudia o homem que falava. Ele era alto, de óculos de aro de prata, e usava um relógio caro, logo deveria ser uma pessoa rica. O rapaz media os outros a sua volta. Via as oportunidades de ganhar algum à custa de qualquer otário que vacilasse. Conseguiu ver uma corrente de ouro no pescoço de uma jovem. Seus olhos se chocaram com um celular nas mãos de um senhor de meia idade, logo ali a sua frente. O rapaz transpirava em gotas. As palmas de suas mãos estavam geladas e tinha uma sensação ruim no estomago. Ele estava com medo. Mas não poderia deixar passar essa oportunidade. Afinal, não era todo dia que encontrava tanta gente junta. Vítimas perfeitas. Passou a mão no queixo de barbas ralas, e começou a contabilizar o lucro futuro. O som aumentara. Ficava mais quente e o numero de vítimas acrescia.
Caminhou para perto das arvores, para junto da moça com a correntinha. Os gritos saiam compassados da multidão. Eram palavras de ordem, ditas com calor e convicção. Ela nem sentiu quando foi alivia do pequeno peso no pescoço. O rapaz era um “perito”. Logo se dirigiu para o senhor do telefone celular. Nessa, ele teve que correr após gestos rápidos e decididos, por conseguinte, aquele havia se mostrado muito mais esperto, e quase melou a jogada. Ele corre. Afasta-se da passeata que ganhava novos adeptos. Virou uma esquina. Dirigi-se para um terreno baldio, para fazer “a contabilidade”. Viu que o telefone celular era ótimo, tinha câmera de alta resolução e acesso a banda larga na internet. A corrente de ouro, também lhe renderia algum dinheiro.
Saiu dali, e foi à casa do “gordo”. Bateu na porta e um negão mal encarado atendeu. O rapaz disse ao sujeito que tinha “um ganho” para negociar. Deixaram-no entrar. Lá dentro “o gordo” avaliou a mercadoria e ofereceu cem reais por tudo. Mas só? Dá no mínimo trezentos! “Só dá cem”-disse ‘o gordo’. Meio contrariado o rapaz aceitou e tratou de sair logo dali, não podia dar mole. Afinal ele tinha outra missão mais importante. O dinheiro tinha um investimento certo. Pegou um ônibus lotado até a parte antiga da cidade. Chegou a um casarão abandonado, onde se via alguns trapos secando ao vento no varal improvisado. Uma mulher magricela o esperava. O rapaz perguntou-“cadê ele?”. Ela apontou para um cômodo desguarnecido. Ele entrou e se aproximou. Lá dentro, na imensidão daquele diminuto quarto, alguém brincava com sua vida. Uma criatura de olhos vermelhos, com um sorriso escondido por trás de uma carranca de imparcialidade estava sentada em uma cadeira velha, como um senhor num trono. A seus pés num pano velho e puído jazia um revolver, uma faca longa e afiada e um pote de cicuta. O rapaz entrou e olhou fixamente para “as coisas” que estavam no pano. A criatura perguntou qual a morte que ele queria hoje. O rapaz apontou para o revólver e entregou o dinheiro. Em um gesto teatral a criatura fez um floreio com o corpo e entregou a arma. Mas avisou: “usar aqui não. Só lá nos fundos da casa”. O rapaz mal podia conter a ânsia. Parecia que uma força mais poderosa que o amor que ele tinha por sua mãe, mais urgente que o ar que um afogado necessita para viver, e mais lógico do que a preservação de sua vida, havia lhe tomado. Ele não pensou em nada, ele não observou nem as flores multicoloridas do fundo da casa. Quando ele acendeu o cachimbo para a primeira vertigem que levaria oito segundos para atingir o seu cérebro. A maldita pedra. Foi como se ele encostasse um revólver na cabeça e apertasse o gatilho. E um pequeno suicídio lhe sacudisse o corpo.


Conto Quinze. Devaneio de Um Casal.







Lembranças da Praia do Meio
Era um dia de frescor de pedras. E como a pele dela estava limpa e perfumada pelo mar, então ela se sentia muito bem. Começou a beijar o céu, olhando para o alto, lançando beijos como se fossem moedas de ouro. A sua direita um farol ao longe, dormia na esperança que viesse a noite. Da praia dos artistas veio uma musica serpenteando no ar, as notas musicais brilhando com os reflexos da luz, os tons eram orquestrados pelo sol, que no azul profundo, confundia o verde das ondas. A bela menina Maresia se espreguiçou sentada, na areia calma e abrasadora. de repente, duas mãos taparam-lhe as vistas. Era o Boto aquele rapaz vistoso que veio do asfalto. “Seios de conchas” ele disse, em um elogio atrevido. “Nuvens e céus” ela respondeu como a rebater o atrevimento e transformá-lo em recato. Ele sorriu e sentou-se. “Mas que dia! Você brilha menina!”. Confidencialmente, para quem os visse de longe, esses dois amantes eram aromas e imagens que se enleavam com a praia. Ao redor deles, vendedores pareciam pencas de búzios, e no ar volteavam pássaros pescadores. Ali perto, garotas passavam, e mostravam lubricamente, pêlos dourados e ancas redondas nos osculus do mar. Ondeando. Ondas e mais ondas. Mas que gosto de duna na preguiça da sombra. Boto, o rapaz, se afogava nos olhos de Maresia. ”Meu espírito aprecia e dorme” ele disse. Mas ela se sentia diferente. É no sentimento de escuma, ponderou, que aprendeu o amor. A energia do ontem dá a praia, e ela se lembra que ainda menina, viu coisas maravilhosas naquela praia em uma tarde mágica. Foi quando o segredo do mar abriu-se, os seus naufrágios. Ela lembrou e sorriu. E Boto ia à Maresia. Dois movimentos em um. Levantaram-se e foram até as rochas eternas que é no forte dos reis. Caminharam contentes e ligados por um laço de rosas invisíveis. Contornaram o muro de pedra do forte. E lá a viram: a lembrança que bóia. É lá onde o passado encontrava o presente, que veio a caricia no choque das ondas. Nesse amor renascido,Que viveram ternamente. E o dia cai súbito pelo alçapão do espaço. E eles ficaram, continuaram abraçados. Por esse encanto eles se lembrarão sempre desse dia. E esses dois corpos cintilarão na lembrança das eras.  Do amor simples, descomplicado. Eternos e invioláveis. Duvidam? São minha lembranças? Não são? De fato não tenho certeza. Apenas sei que é a mais pura verdade.

Conto Quatorze. A Duvida Que Toda Mulher Têm.









É Noite de Peixada


Dona Salsinha era uma mulher prendada. Cozinhava como ninguém. Mas com o passar dos anos foi relaxando. Começou a tomar de vez em quando uns copos de cerveja. Logo estava viciada em levedura. Cara inchada. Com jeito de dobradinha. Os únicos elogios que recebia eram do padeiro Lagostim. Dizem as más línguas que ele era doido por uma mulher desregrada, mais gorda, encardida. Dizem que era uma tara. Então dona Salsinha cabia no perfil. De avental e tudo. Ela surpresa pensou bem no caso. Seria verdade? Ele não era propriamente bonito, mas tinha os seus encantos. Bastava tomar um bom banho, se barbear. E ela? Como será que estava? Sentia-se bem pelo menos? Como ela poderia se sentir bem? Os seus cabelos pareciam buchas de lavar louça, gosmentos e coisa e tal. O seu vestido tinha manchas escuras que lembravam gordura e restos de alimentos, e seus olhos eram duas formas escuras que pareciam bifes mal passados. O que pensava? Que se algum homem a visse agora, sairia correndo pela rua gritando: “corram todos, a cozinha de dona Salsinha acaba de ganhar vida, e vai nos atacar!” Ou pior, que ela era uma baranga, da pior espécie. Desanimada, constatou que ainda cheirava a cebola e a peixe. E assustada pensou: “será que estou com cara de filé de pescado?”. Não teve jeito. Naquela noite em um gesto de desespero ela jogou fora o dentão.

Conto Treze. Somos Animais Curiosos.







Entrega Rápida

As luzes da casa estavam apagadas, apenas um pequeno e lindo abajur no quarto podia ser visto, olhando-se por uma porta semi-aberta. Na sala garrafas e copos ao chão. Na escuridão alguns panos. Poderiam ser roupas jogadas ao acaso. Também dois livros abertos em algumas páginas obscuras que da penumbra pareciam dois tijolos de cimento. No ar um aroma estranho, estagnado e doce.  Aproximou-se da porta do quarto e viu, mas não acreditou. Na pouca claridade pode ver dois corpos nus e extenuados de tanto esforço. Agora entrelaçados, serenados na consolação. O carteiro meio surpreso estancou na porta. O pacote na mão. Seria gente mesmo, ou algo mais animalizado? Os dois corpos nus se mexiam de vez em quando, no enigma do sono. Uma mosca resoluta zuniu perto de seu ouvido, e foi pousar nas nádegas do "homem". Uma motocicleta passou lá fora fazendo um ruído estrídulo. E depois o silencio foi ganhando força. Nessa surpresa de entrega, um impasse foi criado. Mas às dezoito horas em ponto, na noite nova, o carteiro deixou o pacote e em uma oportunidade lasciva, antes de ir embora, filmou um pouco no telefone celular. No outro dia o “youtube” ganhava mais uma imagem, de um casal, que mostrava a todos que quisessem ver, o quanto gostamos de imperfeições. Um casal de macacos embriagados repousava mansamente.   

porque literatura?

Pois é pessoal. Escrever é uma de minhas paixões entre tantas, mas devo confessar que essa é daquelas que me deixa louco, alucinado e disposto a tudo. De ensaios a contos  e romances gosto de escrever de tudo e os meus projetos estão em pleno andamento. pretendo escrever alguns contos (espero que gostem) e discutir sobre literatura a sério e também não tão a sério assim. O importante é fazermos o que gostamos. Então amigos vamos começar a blogar e a trocar idéias!