quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Conto Seis. Crime é Crime.





O Lago do Morto

O lago estava parado. Parecia congelado no tempo, estranhos reflexos de luz lembravam coágulos e vegetação por toda parte sem cor ou movimento. A morte parecia rondar os galhos e as estrelas eram pequenos olhos que procuravam penetrar até o intimo das coisas. Sua mão estava suja. Andou e a lavou na água do lago. Pequenas pedrinhas podiam ser vistas pela água transparente. Agora aquele lençol estava turvado. Não sabia que aquele tipo de acontecimento podia turvar e tornar a calmaria das águas naquela confusão dos sentidos. Pega a faca. A limpa também. Pensou ver algum movimento na estrada.
Seus sentidos o enganavam. Retirou “a coisa” do saco. Achou que foi rápido. Tudo que queria era que não o vissem. Teria que dar explicações bisonhas, inverossímeis. Mas não. Tinha feito tudo corretamente. Esse saco era o ultimo, o da “cigana”. Mais um que era liquidado. Havia dado trabalho, mas no final conseguira segurar, amarrar e finalmente fazer o serviço. Passou as mãos no rosto sujo. Alguém poderia aparecer. E dizer que ele era um criminoso. Que fizera algo muito ruim.
Chegou ao canil logo cedo. Como em todos os dias. Em todos esses dias foram exatamente trinta e dois, que ele invariavelmente levara até a beira do lago para jogá-los nas águas. Cada saco tinha um nome de cada animal do canil. O veterinário lamentava. Mas aquela comida estava condenada. Não serviria para os cães. Mas os peixes poderiam se alimentar. Os trinta e dois sacos cheios de restos e de ração mofada eram levados a noite, por medo de pensarem que estavam poluindo o lago. Com a nova legislação sobre o meio ambiente, era tudo muito arriscado. E o seu temor era justificável, afinal, o que pensariam dele? Que era um criminoso?






Conto Cinco. Quem Não Gosta de Futebol?





O Campo Verde

Ainda era cedo e a levaram até o gramado. A artista improvável. Tudo brilhava e era um dia para não se esquecer. Alguns operários ligaram o sistema de irrigação automática e a água jorrou em esguichos simétricos. Um mais zeloso colocava uma rede novinha, branca como uma rosa branca. Ela achava tudo aquilo a maravilha das maravilhas. As pessoas começavam a chegar com suas roupas coloridas para a festa, e procuravam uma cadeira melhor lá no alto. Quatro rapazes traziam uma faixa verde e amarela, com alguma coisa escrita nela. Nessa primeira hora de cuidados, o sol já começava a sua descida briosa, rumo ao outro lado do planeta. Um menino escuro se aproximou e passou por sobre ela as mãos em um afago delicado. Existia uma expectativa no ar, todos podiam sentir uma espécie de eletricidade que voava por sob o campo verde. Uma sombra de estrutura se aproximava dela, enquanto os raios solares se afastavam enfraquecidos e frios. Parecia que dentre e pouco o espetáculo iria começar, e só esperavam os detalhes indispensáveis, prestímano, que fariam daquele lugar palco de um dos maiores espetáculos da terra. Depressa sem que ela percebesse o grande palco ficou cheio. Duas massas de cores diferentes agitavam bandeiras, aos gritos, a loucura.  Em um êxtase profundo e enigmático, os selecionados entraram. Um grande sábio, de autoridade, a abraçou com olhos graves, e lentamente, solenemente, a colocou no centro do palco. O gigantismo da ocasião, por uma razão mágica, causou a ela um transe extático, de uma sensação tão magnífica, que ela poderia ficar assim para sempre, parada no tempo e no espaço. Mas ao som divino de um apito, sente a primeira força. A lei da gravidade. E o seu corpo é impulsionado por uma energia cinética e astral. E nessa maravilhosa dança de Deus, encontra finalmente os pés do amado. Aquele que nervosamente, procura entender os seus caminhos e corre atrás da esperança. 






Conto Quatro. Um Ponto de Vista.





O Passeio

E então o detetive particular foi chegando próximo a mata fechada, onde ainda restava alguma luz visível. Pensou discernir alguma forma por entre os arbustos. Engano. Eram apenas sombras que brincavam com os galhos e atormentavam os insetos. Mas porque aceitou esse trabalho? O cara pechinchou até quase lhe tirar as roupas. Sim- respondeu, ele desconfiava que a mulher o traísse. Não. Nunca havia tirado fotos dela em motéis. Que cara chato. Esse cliente tinha uma maneira obsessiva de pedir as coisas.
Entrou mais ainda na mata, e caminhava como que deslizando com passos lentos e estudados. Pensava na inutilidade desse ato, ali quisera resolver alguma coisa, queria divisar a descoberta. A melhor para todos: ela, saindo sorridente por entre os galhos verdes, dizendo que havia se atrapalhado, que havia perdido a bolsa e os documentos. Mas ao invés disso, desse pensamento otimista, estava diante de uma perna nua, com as unhas pintadas de vermelho. Uma perna de mulher.
O detetive particular saiu da mata. Olhos arregalados. Cara de espanto. Guardou as coisas no carro. Procurou o GPS e não achou. Limpou a maquina fotográfica digital, para clarear as idéias. Tirou o celular da pasta e ligou para o seu cliente.
-alo. É o Sr. Silveira? É melhor o senhor vir pessoalmente. Eu creio que será necessária uma boa dose de sangue frio do senhor. E também traga um medico.
Quando Silveira chegou seguido de seu medico, o detetive particular os levou até aquele local malfazejo. Por entre o verde de alguns capins altos e inclinados, encontraram uma perna que ia até o joelho apenas. Uma parte incompleta da esposa do pobre Silveira. O médico abraçou o seu cliente que chorava copiosamente. O médico condoído indagou: 
-eu não sabia que sua esposa tinha uma prótese desse tipo, aliás, eu nem sabia que ela era amputada. Ninguém sabia.
-eu nunca contei para ninguém, era um segredo nosso.
O detetive falou que talvez alguém perto dali, soubesse do paradeiro da jovem senhora, e que faria uma sondagem para tentar descobrir alguma coisa. Afinal, uma mulher pulando em uma perna só não podia ir muito longe. Os três homens foram até um casebre ali perto e interrogaram os moradores. Mas ninguém parecia ter visto nada. Eles já se preparavam para ir embora quando chegou um menino correndo. Ele falou que tinha visto uma mulher perneta apoiada por um negro magro e dentuço. Os dois entraram em um carro popular meio desgastado pelo tempo, e seguiram na direção da ponte. O desconsolado Silveira encheu-se de esperança, afinal ela poderia ter se ferido e ter sido ajudada por alguma boa pessoa. Apesar dos tempos sombrios em que vivemos, existem pessoas de bem, prontas a ajudar. Ele já esboçava um sorriso de um mitigo luzente, quando o menino inadvertidamente disse que uma vez dentro do carro eles começaram a se beijar, a se esfregar e ela começou a proferir ruídos estranhos, como se gemesse algum animal vexado. O pobre Silveira arregalou os olhos e deixou o queixo despencar das alturas do bigode. E então o medico tentou dar-lhe um abraço amigo e foi empurrado por mãos indignadas:
- Onde já se viu? Ela beijar um total desconhecido? - disse o miserável Silveira.
Tudo isso para ele era realmente um disparate. O marido colérico acusou o pequeno menino de inventar essa estória, de uma mente infantil com excessiva riqueza de imaginação. Mas o detetive já calejado dessas estórias de cônjuges desconjuntados e desmembrados já percebia a verdade e  ficou calado, tentou entregar a Silveira a perna de sua esposa, ou melhor, a prótese que imitava uma idêntica perna de mulher que tinha as unhas pintadas de vermelho. Mas Silveira não via mais nada de objetivo. Só queria saber por que ela ainda não tinha telefonado para ele.       






Conto Três. O Que é Um Sonho?





O Menino que Pula o Barco

Ele pulou igual a um gato. Eram oito embarcações lado a lado, e ficou satisfeito quando finalmente conseguira pular do “laço de família” para “o bispo”. Esse menino tinha esse jeito peculiar de saltar: com uma perna de cada vez à medida que avançava em uma corrida arriscada, barco a barco mesmo quando o balanço da maré era forte. Essa estripulia lhe lembrava, em sua maneira um tanto pueril de ver as coisas, um jogo de amarelinha, com suas seguranças e suas quedas. Lulinha era pequeno e magro, pés descalços e uma grande vontade de agradar o pai, o Jeremias pescador. Como se não bastasse, ele dizia ao pai que um dia seria o capitão de um grande navio, que circundaria o mundo e veriam todos os por do sois que houvesse para ver. Que a liberdade que prezava acima de tudo o impulsionaria em suas viagens.
Era assim que o garoto pensava. O futuro e o que viesse depois disso. Um capitão de navio. Mas o pai ficou doente de tuberculose, e então, tiveram que se mudar, de ser afastar do vento do mar, das noites de inverno da praia. A família foi levada para uma viajem sem retorno para longe do litoral e do sonho de lulinha de se tornar um dia um capitão de navio. Por um tempo, ele ficou assim meio extático e carrancudo, crédulo que ele havia perdido a sua liberdade e que nunca mais sentiria aquela sensação maravilhosa, plena, de quando ele saltava os barcos balançados pela maré.
Contudo, o tempo passou, correu como se a lua e o sol estivessem com pressa, o menino espichava e ganhava pêlos como um bicho. Ele cresceu.  Descobriu o prazer em outra atividade. No esporte, de corrida com barreiras. Ali percebeu que aquela técnica particular, de correr e pular com uma perna de cada vez, lhe seria útil. Então havia outras formas de liberdade, ponderou. Que poderia sentir aquela mesma sensação sublime de maneira renovada. E o mar, e a viajem, eterna naquele mar eterno? Aquele pensamento custou a desgrudar dele. Por aonde ele ia, o mar e o seu cheiro, o som das ondas, o barulho que faz os cardumes quando saltavam em fuga, e o olor de alga misturado a estrelas. Ele levava consigo todas essas imagens, e sentia todas essas coisas, em seu corpo, em suas roupas, nos seus cabelos enleados. E essa lembrança ele não deixaria que fosse embora.
Quando ele pensou que tinha esquecido suas raízes, ocorreu um fato curiosíssimo.  Um dia o nosso atleta estava se preparando para disputar uma “bateria” dos jogos sul americanos. As grandes emissoras de televisão estavam lá. E valia medalha. Lulinha era um dos favoritos. Uma chuva fina estava caindo desde cedo. A temperatura estava nos cinco graus apenas. Estava frio demais. Nessas condições adversas, o nosso amigo corredor, estava no vestiário quentinho, no maior conforto, quando bateu um sono contagiante. Ele logo adormeceu e seus roncos podiam ser ouvidos por todo o estádio. Na hora marcada para a prova, os juízes e organizadores deram pela falta de um competidor. Um fiscal foi mandado ao vestiário para encontrá-lo. O rapaz chegou à porta e ouviu um som estranho. De ondas que batem como marouços turbulentos. Lá dentro era ouvidos gritos de homens como a comandar um navio. O fiscal coçou a cabeça incrédula. Bateu na porta, para que alguém o ouvisse. E como o som de estronde foi aumentando ele tratou de se afastar dali correndo.  E num minuto depois, quando ninguém estava esperando, as portas foram arrombadas por um grande volume de água. Era água do mar, que em uma torrente criou um grande rio que cortou o estádio ao meio. A multidão maravilhada via por entre as águas grandes cardumes e baleias em um desfile pasmoso. Quando todos já estavam se acostumando a essa visão extranormal, um navio a vela saiu do vestiário. Uma escuna de três mastros, grande e elegante, com a tripulação completa, e o mais incrível, o nosso amigo, o menino que na infância pulava barcos, estava no leme como um capitão. Todos se entreolhavam e discutiam o porquê desse prodígio. As emissoras de televisão que estavam cobrindo aquele evento esportivo pensaram que aquilo tinha sido uma surpresa de ultima hora dos organizadores, e trataram de levar ao mundo todo, essa noticia interessante como se fizesse parte daquele evento esportivo. Mas o barco simplesmente seguiu aquele curso de rio marinho. Grandes velas brancas abertas, rumo a um destino desconhecido. Na descida do sol. Rumo ao sonho do menino.  

Porque escrevo Contos.





Um amigo perguntou-me, em duvida, se esses contos no blog eram de minha autoria. E eu respondi que sim. É claro. Jamais postaria contos de outros sob meu nome. Posso escrever mal, ou de maneira simplória (nem sempre, escrevo teses,artigos e textos bem mais complexos, mas escolhi contos simples para postar nesse blog), mas sou fiel ao meu processo de criação. Escrevo, porque devo escrever. Disse a ele também, que esse era um dos meus pequenos prazeres. De escrever, contar uma estória. Repito, se são boas histórias, não sei dizer ao certo pois são vocês, os leitores, que irão julgar e comentar. E talvez nesse processo despretencioso, ludico, consigamos trazer alguma coisa a luz, algo que sirva de forma pueril a nossas reflexões literárias. Devemos nos lembrar, que a forma narrativa consegue, por sua capacidade intrínseca,  de revelar o que vai por dentro das pessoas. Em materializar, de trazer a luz os sentimentos alheios, os pensamentos em "fluxos de consciências", de mostrar pontos de vista, angulos e caminhos que outras formas de escrita não conseguem. Isso é um fato, gramatical e epistemológico. É um fato da essencia da propria literatura. E quiça da vida. Por isso eu escrevo. E me deleito muito com isso. Se eu não tivesse tido essa iniciativa, a de compartilhar o que escrevo, com certeza tudo continuaria a existir. O mundo permaneceria o mesmo. Esses textos  permaneceriam perdidos no fundo da gaveta. E com o tempo se transformariam em pó. As idéias, personagens e casos, por simples que sejam, se perderiam para sempre. A vida continuaria, mas devo confidenciar a vocês, que teria aquele sentimento de incompletude. De maneira piégas, devo dizer, que eu estaria menos feliz. No entanto, falou mais alto a parte em mim que vibra o digitar de cada letra, e o nascimento de cada personagem. Como se fosse um rebento de símbolo. Uma forma arcana e simples de felicidade .

Um Pequeno Conto Para Esquentar.

Um Conto quase uma Crônica



Um Dia de Caminhada


Minha mulher estava uma macaca. Pelo menos era assim que se sentia. Ela me diz que não há nada pior para ela, do que não raspar as pernas e fazer as sobrancelhas. Bobagens, eu digo, mas nesse excesso feminino se esconde o seu comezinho da vaidade, eu sei. Ela faz essa analise estética, enquanto andamos em passos largos pela lagoa de captação, o lugar que escolhemos para a nossa caminhada matinal. O medico recomendou: caminhada e dieta. Sendo assim, só poderíamos obedecer. O sol se espreguiça por trás das nuvens e um alarido de passarinhos nos acompanha quando saímos do “Serrambi Cinco”. Nas voltas circulares que damos todos os dias, encontramos outros caminhantes a procura da eterna juventude. Podemos dizer que são nossos “velhos amigos”, pelo menos em nossa imaginação. Essa de colocar apelido nos outros, é idéia de minha mulher, eu juro! Para cada um desses caminhantes anônimos, que estão como nós à procura da boa saúde existem personagens idealizados segundo as suas características físicas. Devo lembrar que tudo isso é obra de minha mulher. Mulher terrível,não perdoa um defeito.  Temos o casal megafone, um afro magrinho e falador que com sua voz potente alta e rápida o faz a alegria da manhã. Sua companheira não fica atrás nesse atributo, embora nós só a tivéssemos visto uma ou duas vezes. A voz desse companheiro é tão alta que podemos escutá-lo no outro lado da lagoa, conversando, discutindo, cumprimentando a quem passa por ele. Temos “o Cotoco” um moreno baixinho com suas pernas grossas e curtas em seus passos rápidos.  Lá vem “o Ligeirinho” apelido dado por causa do ratinho do desenho animado, ele é um senhor idoso e calmo que paradoxalmente sempre nos passa na caminhada! Quando parece que ele caminha de vagar quase parando! Temos outro personagem de desenho “o papa- léguas” um rapaz ligeiro e magricela, que nos passa em sua corrida. A “patinha” que é uma mulher loura, de mais ou menos um metro e cinqüenta e cinco centímetros, que sempre vem em sentido contraria ao nosso. Temos o “Tatu Peba” um sujeito quase da minha idade com suas pernas arqueadas e seus passos cadenciados. Ah sim, já ia me esquecendo do “Bunda de Pluf”, um sujeito de traseiro amassado. Eu sei, é um apelido irresponsável, mas minha esposa não havia pensado em nenhum outro que se adequasse. Esses são os personagens principais, que fazem nossa caminhada matinal menos monótona. Afinal a imaginação é uma função intelectual, humana e higiênica para nossa sanidade mental. Já é hora de parar e voltar ao “Serrambi Cinco” o nosso ansiado “apê”. O suor escorre quente e relaxante por nosso corpo, É o momento dos alongamentos. Um senhor passa por nós e nos cumprimenta: “bom dia!” os caminhantes diminuem e o sol começa a esquentar. O trafego fica mais perceptível e insensível. Logo, os barulhos do transito, se tornam incômodos a nossa tranquilidade. É o momento de irmos para casa. Amanhã teremos outra oportunidade de eliminar as toxinas que nos perturbam o corpo, em sua artimanha silenciosa. E então reencontraremos esses “velhos amigos”, e veremos o céu azul, o gorjeio dos passarinhos e agradeceremos mais esse dia de caminhada.