quinta-feira, 26 de julho de 2012

Conto Dois. Para Refletir.









Rua Palestina

O Rabi Davi Roberto Kalensk olhou a placa da rua onde dizia: rua palestina. Não poderia ser mais simbólico esse nome. Há exatamente vinte anos havia sofrido um atentado contra sua vida em uma rua esquecida na palestina. Um garoto árabe, havia lhe dado um tiro. Por inexperiência esse garoto havia atirado mal, sim foi um mau tiro. Lembrava-se que o conhecia, filho de um entregador. O pai fora pessoalmente pedir-lhe desculpas. Mas ele havia respondido que no fundo não era culpa do garoto, e sim das diferenças, daquelas coisas que se impunham a todos nós como verdades. E essas aparentes verdades, pareciam que podiam causar a morte de alguém.

Para entendermos o mundo em que Kalensk vivia um dia ele chegou tarde para um encontro. Um terrorista havia detonado um carro bomba exatamente no restaurante onde iria jantar. Ele chegou de vagar no local da carnificina, chapéu em uma mão e uma garrafa de vinho em outra, uma gentileza para o casal de amigos que o esperavam no restaurante. Petrificado de surpresa, ele viu corpos carbonizados no chão, e uma cratera no meio da rua, em um cenário de desolação e dor. Mas o que o havia impressionado mais, era a quantidade de calçados na rua. Onde estavam as pessoas donas daqueles sapatos, tênis e sandálias? Lembrou-se também que depois disso, desse choque extremo, veio para esse país, e que gostara tanto daqui, da paz reinante, da naturalidade com que árabes e judeus se tratavam, que nunca mais voltara para sua terra natal.

Agora estava ali em pé com um livro na mão e uma pasta na outra.  O local onde iria juntar-se a seu colega, um jovem mulçumano, professor João Abria Rashuk, de estudos de religiões comparadas, da mesma universidade. Participariam da palestra que iria dar inicio à semana de religião e filosofia. Mais tarde, após discorrerem sobre as razões históricas da Intifada, saíram os dois juntos para o pátio próximo ao prédio do evento.
O velho Davi havia dito ao jovem Rashuk de maneira poética:

- Escapamos da irmandade frondosa, tenho certeza! Em algum ponto no tempo, deixamos passar alguma coisa, uma oportunidade valiosa de sermos irmãos, de haver a paz, de mantermos nossas identidades. Mas, com um objetivo comum é lógico!

Os dois compartilhavam a opinião de  que tudo isso havia acontecido, talvez por um capricho da história. A política e a religião, emaranhados como arame farpado, nesse processo mórbido.  E que gerações de ancestrais existiram, ali na palestina, naquele pequeno espaço geográfico sem constelarem o entendimento. Concordavam ainda com a idéia que os anos de guerras, atentados e medo recíproco, finalmente tinham criado a mais alta e difícil muralha. Uma intransponível muralha, como a que havia existido na antiguidade, que cercava e protegia a cidade de Jerusalém.  Rashuk vira-se para Davi:

-ei Davi. Por acaso você percebeu que até agora não fez uma única citação do Torá! E que eu ainda não critiquei as razões da guerra dos seis dias? Estamos parecendo àqueles dois personagens, que aparecem naquela parodia de jornalismo! Aquele programa que passa na tevê de Israel. Qual é mesmo o nome do programa?
- aquele que falam de cabras e homens bombas?
- é esse!
- eu não sei o nome do programa só sei que é uma grande besteira! Onde já se viu fazerem piadas com rabinos e as santas escrituras!- disse rindo.
- mas eles fazem piadas com os dois lados.
- é são duplamente estúpidos! Afinal onde já se viu fazerem piadas sobre um pobre garoto mulçumano que foi adotado por um religioso judeu?

Os dois satisfeitos riram muito sobre a familiaridade dessa estória de adoção e foram comer alguma coisa em um restaurante libanês.