domingo, 31 de outubro de 2010

Conto Dezoito. Ah, a Ciência.







O Laboratório


Depois das aulas Fernando Goiabeira quis corrigir as provas. Entrou no laboratório da universidade e sentiu de pronto um odor estranho. Parecia que sua cabeça doía e sentia uma ligeira vertigem. Começou a ter estranhas sensações. Sentia o seu corpo inchar e ganhar contornos redondos, como um grande pote. Percebeu que estava ficando transparente, dava para ver seus órgãos internos: o coração por trás das costelas, as vísceras e até o seu fígado. Atinou sobre essas estranhas sensações, de como estava se sentindo um recipiente. Daqui a pouco acharia que poderia desatarraxar o alto da cabeça e retirar ou colocar alguma coisa dentro dela.
Não deu outra. Desatarraxou a tampa. Mas que dor de cabeça! A primeira coisa que saiu lá de dentro foi um compendio inteiro de química orgânica. Seguida de aulas de física quântica que tivera na época do mestrado. Mas o que era isso que saia agora meu Deus? Não podia acreditar. Um volume inteiro da enciclopédia britânica, que lera ainda na juventude! Começava a sentir vertigens. Algumas proposições também escapavam. Cuspiu um silogismo categórico. Mas estava disposto a encerrar essa experiência bizarra. Sabia agora que alguma coisa dentro desse laboratório lhe causara essas visões. Mas estava fraco. Fernando sentiu de repente que se esvaziava como um balão de gás. Mas que maçante! Era agora praticamente só pele e osso. Suas roupas faziam bolo por cima da pele. E de sua cabeça não saia nem uma vogal ou uma interjeição! Dali a pouco não conseguiria mais pensar!
Um aluno magro de óculos fundo de garrafa coloca a cabeça na porta. Não viu ninguém. Entra no laboratório. Olha para os equipamentos de química. Súbito repara numa substancia escura, gosmenta no chão. Põe uma luva. Pega a substancia gelatinosa. Coça a cabeça em sinal de reflexão. E coloca a substancia em uma pipeta. Mas cadê o professor? Descobre as provas deitadas na mesa. “Mas que vadio!”- pensa. Procura a sua prova na pilha. Acha e fica contente com a nota. Então sai assobiando e gingando.

sábado, 30 de outubro de 2010

Conto Dezessete. Tudo Pela Arte.





Poesia Amarga
Ela escreve na sala abjeta. Não consegue encontrar a rima para a palavra “absurda”. Em um vestido gasto e imemorial, em uma fúria abrigada no lombo, procura a palavra exata. Para aqueles que não a conheciam, a sua forma era intratável como um ouriço de espinhos venenosos. Diziam os críticos, que sua personalidade raivosa derretia os metais das portas e janelas. Mas ela nunca ligou para aqueles improfícuos. Ela era livre. Transitava livremente por aqueles cubículos abomináveis, de atmosfera espessa. Comia quando queria e quando podia. Mas a escrita dolorida, essa não podia esperar. Pensava e repensava um livro. Um testemunho. Saia apenas o suficiente para atender alguma necessidade básica, imediata. Logo voltava a pequena sala humilde e atulhada de coisas inúteis: um som estéreo sem voz. Uma estante de poeira adstrita. Um pescoço de mesa. Naquele local úmido, pestanejava e historiava. Cogitou a sua própria morte. Pensou que nenhuma poesia seria mais real e inevitável. Lembrava também de suas aventuras corriqueiras. Fugira de um sanatório, xingou uma autoridade e agora depois de anos de diabretes, plantava cuidadosa suas flores invisíveis bem perto do pequeno supermercado. Naquela viela. A sua vida era assim. E naquela miserável condição sobressaiam as letras luminosas nas poesias, em contos e recantos, na difícil personalidade, na refrega de seus humores, na cólera rápida e básica que de repente brotava de seu intimo. Lembrou-se disso e se viu na frase da escritora Patrícia Highmith, “um grande artista não pensa, mas apaixona-se por uma grande idéia”. Tomou um pouco d’água. Folheou uma revista de um ano atrás. Procurou na grande bolsa uma calcinha limpa, não achou, e desistiu por um momento. Sentou-se a mesa e pegou um caderno com alguns poemas seus já prontos. “Esse aqui é meio lúdico, detesto poemas assim”. Procurou um que tentava completar. Quando lá de longe, de um lugar prestímano lhe vinha surgindo uma idéia, quando uma alegria insinuava-se por sua face, quando já pegava o lápis para escrevinhar. Alguém empurrou a porta como se fosse uma imprecação de Deus. Um odor nauseativo de bebida dominou o cômodo. E aos berros um sujeito corrosivo, deplorável, indigno, perguntava sobre dinheiro. Com uma grande barba convulsa e poeirenta, um olhar silvícola, lançava imprecações a ela. Nesse gesto imprudente e inexplicável, queria a todo custo algum para a dose da tarde. Ela virou a cabeça lentamente, não acreditando no que via. Sem dizer uma palavra, levantou-se. Foi até a um canto de parede e pegou um porrete de uns setenta centímetros, e num gesto típico de sua fama, partiu para cima do intruso. O primeiro golpe foi no meio da testa. Enquanto o corpo tombava, desferiu o segundo golpe no lado esquerdo do rosto. Nessa cena chocante, o barbudo caiu inerte, apagado como um tubo de imagem destroçado. Poderíamos dizer que sem maiores remorsos ela se virou e sentou-se de novo. E foi assim que realmente se sucedeu. Foi como se nada de anormal houvesse ocorrido. Ela pigarreou. Ajeitou os cabelos, e com uma duvida no canto do olho procurou e achou uma frase bonita para uma ultima estrofe.









Conto Dezesseis. Uma Escolha Terrivel.







A Pedra


Aquele rapaz não sabia o porquê de tantas pessoas nervosas. Punhos elevados, elas pareciam a ele que estavam prestes a fazer alguma besteira. Um grande caminhão de som estava cruzado na rua. Uma multidão gritava e aplaudia o homem que falava. Ele era alto, de óculos de aro de prata, e usava um relógio caro, logo deveria ser uma pessoa rica. O rapaz media os outros a sua volta. Via as oportunidades de ganhar algum à custa de qualquer otário que vacilasse. Conseguiu ver uma corrente de ouro no pescoço de uma jovem. Seus olhos se chocaram com um celular nas mãos de um senhor de meia idade, logo ali a sua frente. O rapaz transpirava em gotas. As palmas de suas mãos estavam geladas e tinha uma sensação ruim no estomago. Ele estava com medo. Mas não poderia deixar passar essa oportunidade. Afinal, não era todo dia que encontrava tanta gente junta. Vítimas perfeitas. Passou a mão no queixo de barbas ralas, e começou a contabilizar o lucro futuro. O som aumentara. Ficava mais quente e o numero de vítimas acrescia.
Caminhou para perto das arvores, para junto da moça com a correntinha. Os gritos saiam compassados da multidão. Eram palavras de ordem, ditas com calor e convicção. Ela nem sentiu quando foi alivia do pequeno peso no pescoço. O rapaz era um “perito”. Logo se dirigiu para o senhor do telefone celular. Nessa, ele teve que correr após gestos rápidos e decididos, por conseguinte, aquele havia se mostrado muito mais esperto, e quase melou a jogada. Ele corre. Afasta-se da passeata que ganhava novos adeptos. Virou uma esquina. Dirigi-se para um terreno baldio, para fazer “a contabilidade”. Viu que o telefone celular era ótimo, tinha câmera de alta resolução e acesso a banda larga na internet. A corrente de ouro, também lhe renderia algum dinheiro.
Saiu dali, e foi à casa do “gordo”. Bateu na porta e um negão mal encarado atendeu. O rapaz disse ao sujeito que tinha “um ganho” para negociar. Deixaram-no entrar. Lá dentro “o gordo” avaliou a mercadoria e ofereceu cem reais por tudo. Mas só? Dá no mínimo trezentos! “Só dá cem”-disse ‘o gordo’. Meio contrariado o rapaz aceitou e tratou de sair logo dali, não podia dar mole. Afinal ele tinha outra missão mais importante. O dinheiro tinha um investimento certo. Pegou um ônibus lotado até a parte antiga da cidade. Chegou a um casarão abandonado, onde se via alguns trapos secando ao vento no varal improvisado. Uma mulher magricela o esperava. O rapaz perguntou-“cadê ele?”. Ela apontou para um cômodo desguarnecido. Ele entrou e se aproximou. Lá dentro, na imensidão daquele diminuto quarto, alguém brincava com sua vida. Uma criatura de olhos vermelhos, com um sorriso escondido por trás de uma carranca de imparcialidade estava sentada em uma cadeira velha, como um senhor num trono. A seus pés num pano velho e puído jazia um revolver, uma faca longa e afiada e um pote de cicuta. O rapaz entrou e olhou fixamente para “as coisas” que estavam no pano. A criatura perguntou qual a morte que ele queria hoje. O rapaz apontou para o revólver e entregou o dinheiro. Em um gesto teatral a criatura fez um floreio com o corpo e entregou a arma. Mas avisou: “usar aqui não. Só lá nos fundos da casa”. O rapaz mal podia conter a ânsia. Parecia que uma força mais poderosa que o amor que ele tinha por sua mãe, mais urgente que o ar que um afogado necessita para viver, e mais lógico do que a preservação de sua vida, havia lhe tomado. Ele não pensou em nada, ele não observou nem as flores multicoloridas do fundo da casa. Quando ele acendeu o cachimbo para a primeira vertigem que levaria oito segundos para atingir o seu cérebro. A maldita pedra. Foi como se ele encostasse um revólver na cabeça e apertasse o gatilho. E um pequeno suicídio lhe sacudisse o corpo.


Conto Quinze. Devaneio de Um Casal.







Lembranças da Praia do Meio
Era um dia de frescor de pedras. E como a pele dela estava limpa e perfumada pelo mar, então ela se sentia muito bem. Começou a beijar o céu, olhando para o alto, lançando beijos como se fossem moedas de ouro. A sua direita um farol ao longe, dormia na esperança que viesse a noite. Da praia dos artistas veio uma musica serpenteando no ar, as notas musicais brilhando com os reflexos da luz, os tons eram orquestrados pelo sol, que no azul profundo, confundia o verde das ondas. A bela menina Maresia se espreguiçou sentada, na areia calma e abrasadora. de repente, duas mãos taparam-lhe as vistas. Era o Boto aquele rapaz vistoso que veio do asfalto. “Seios de conchas” ele disse, em um elogio atrevido. “Nuvens e céus” ela respondeu como a rebater o atrevimento e transformá-lo em recato. Ele sorriu e sentou-se. “Mas que dia! Você brilha menina!”. Confidencialmente, para quem os visse de longe, esses dois amantes eram aromas e imagens que se enleavam com a praia. Ao redor deles, vendedores pareciam pencas de búzios, e no ar volteavam pássaros pescadores. Ali perto, garotas passavam, e mostravam lubricamente, pêlos dourados e ancas redondas nos osculus do mar. Ondeando. Ondas e mais ondas. Mas que gosto de duna na preguiça da sombra. Boto, o rapaz, se afogava nos olhos de Maresia. ”Meu espírito aprecia e dorme” ele disse. Mas ela se sentia diferente. É no sentimento de escuma, ponderou, que aprendeu o amor. A energia do ontem dá a praia, e ela se lembra que ainda menina, viu coisas maravilhosas naquela praia em uma tarde mágica. Foi quando o segredo do mar abriu-se, os seus naufrágios. Ela lembrou e sorriu. E Boto ia à Maresia. Dois movimentos em um. Levantaram-se e foram até as rochas eternas que é no forte dos reis. Caminharam contentes e ligados por um laço de rosas invisíveis. Contornaram o muro de pedra do forte. E lá a viram: a lembrança que bóia. É lá onde o passado encontrava o presente, que veio a caricia no choque das ondas. Nesse amor renascido,Que viveram ternamente. E o dia cai súbito pelo alçapão do espaço. E eles ficaram, continuaram abraçados. Por esse encanto eles se lembrarão sempre desse dia. E esses dois corpos cintilarão na lembrança das eras.  Do amor simples, descomplicado. Eternos e invioláveis. Duvidam? São minha lembranças? Não são? De fato não tenho certeza. Apenas sei que é a mais pura verdade.

Conto Quatorze. A Duvida Que Toda Mulher Têm.









É Noite de Peixada


Dona Salsinha era uma mulher prendada. Cozinhava como ninguém. Mas com o passar dos anos foi relaxando. Começou a tomar de vez em quando uns copos de cerveja. Logo estava viciada em levedura. Cara inchada. Com jeito de dobradinha. Os únicos elogios que recebia eram do padeiro Lagostim. Dizem as más línguas que ele era doido por uma mulher desregrada, mais gorda, encardida. Dizem que era uma tara. Então dona Salsinha cabia no perfil. De avental e tudo. Ela surpresa pensou bem no caso. Seria verdade? Ele não era propriamente bonito, mas tinha os seus encantos. Bastava tomar um bom banho, se barbear. E ela? Como será que estava? Sentia-se bem pelo menos? Como ela poderia se sentir bem? Os seus cabelos pareciam buchas de lavar louça, gosmentos e coisa e tal. O seu vestido tinha manchas escuras que lembravam gordura e restos de alimentos, e seus olhos eram duas formas escuras que pareciam bifes mal passados. O que pensava? Que se algum homem a visse agora, sairia correndo pela rua gritando: “corram todos, a cozinha de dona Salsinha acaba de ganhar vida, e vai nos atacar!” Ou pior, que ela era uma baranga, da pior espécie. Desanimada, constatou que ainda cheirava a cebola e a peixe. E assustada pensou: “será que estou com cara de filé de pescado?”. Não teve jeito. Naquela noite em um gesto de desespero ela jogou fora o dentão.

Conto Treze. Somos Animais Curiosos.







Entrega Rápida

As luzes da casa estavam apagadas, apenas um pequeno e lindo abajur no quarto podia ser visto, olhando-se por uma porta semi-aberta. Na sala garrafas e copos ao chão. Na escuridão alguns panos. Poderiam ser roupas jogadas ao acaso. Também dois livros abertos em algumas páginas obscuras que da penumbra pareciam dois tijolos de cimento. No ar um aroma estranho, estagnado e doce.  Aproximou-se da porta do quarto e viu, mas não acreditou. Na pouca claridade pode ver dois corpos nus e extenuados de tanto esforço. Agora entrelaçados, serenados na consolação. O carteiro meio surpreso estancou na porta. O pacote na mão. Seria gente mesmo, ou algo mais animalizado? Os dois corpos nus se mexiam de vez em quando, no enigma do sono. Uma mosca resoluta zuniu perto de seu ouvido, e foi pousar nas nádegas do "homem". Uma motocicleta passou lá fora fazendo um ruído estrídulo. E depois o silencio foi ganhando força. Nessa surpresa de entrega, um impasse foi criado. Mas às dezoito horas em ponto, na noite nova, o carteiro deixou o pacote e em uma oportunidade lasciva, antes de ir embora, filmou um pouco no telefone celular. No outro dia o “youtube” ganhava mais uma imagem, de um casal, que mostrava a todos que quisessem ver, o quanto gostamos de imperfeições. Um casal de macacos embriagados repousava mansamente.   

porque literatura?

Pois é pessoal. Escrever é uma de minhas paixões entre tantas, mas devo confessar que essa é daquelas que me deixa louco, alucinado e disposto a tudo. De ensaios a contos  e romances gosto de escrever de tudo e os meus projetos estão em pleno andamento. pretendo escrever alguns contos (espero que gostem) e discutir sobre literatura a sério e também não tão a sério assim. O importante é fazermos o que gostamos. Então amigos vamos começar a blogar e a trocar idéias! 

sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Conto Doze. O Trabalho Dignifica o Homem, Eu Sei.







Viciado em Trabalho

Estava curvado. Sentia o peso de vários livros nas costas. Sua essência – a desse homem - era de madeira velha, escura e mal acabada. Nogueira endireitou os óculos no rosto e virou-se para a tela do computador. Sentia-se um objeto inanimado, que repentinamente ganhara quatro pernas. A sala estava quente como um forno, e não conseguia encontrar a caneta. Procurou e em alguns minutos achou-a no seu ombro direito. Perto dos livros em sua costa.
Na semana passada, o chefe lhe aconselhou: “toma cuidado com os cupins, que são a causa de vários desastres”. Poderia sentir uma pontada no peito, e por certo, mesmo remotamente, os cupins eram a causa. A umidade também lhe era prejudicial. Assim como um ressequido nas pernas. Para isso, um óleo era salutar.
O verdadeiro desastre para Nogueira, na verdade, foi à perda de Elizete sua amada. Ela não suportou as investidas de uma secretaria assanhada. Uma mulher grande que parecia um armário. Uma cara de peroba mal construída, de linhas planas e marrom tabaco. Essa “biscate” engatou uma gaveta em Nogueira e ai foi à confusão. A calamidade estava feito. O que Nogueira podia fazer? Nada. Ele era viciado em trabalho.




Conto Onze. Esse Cara Só Pensa em Comida.





Macarronada com Serragem

Estava serrando uma porta de armário.  E como sempre, começou a ter pensamentos diferentes. Sempre se achou meio estranho. Na verdade, tinha idéias, que confundiam suas certezas e afinidades. Gostava de se ver como um gourmet refinado. Embora a família o achasse meio pancadão.  O certo é que naquele dia especifico, suas manias estavam aflorando pelos poros. Estavam saindo aos borbotões junto com o suor do corpo. Os parafusos na boca, o molho ao sugo em sua cabeça. Depois da terceira hora de trabalho o estomago de Giordano já roncava. E nessas horas, a sua fome era tal, que acabava se confundindo nas coisas. Agora por exemplo, sentia-se um talharim com bastante queijo. Mas pensando bem, era um dia frio e nublado, e com toda certeza, preferia que fosse um canelone com molho branco bem quente, com um vinho suave acompanhando, e seguramente, após outra pasta suculenta viria um pudim de ameixa. Mas como poderia se concentrar naquela porta se tinha esses sentimentos fundamentais? Há muito tempo que se sentia assim: como se todo o seu ser fizesse parte da culinária italiana. É certo que uma ou duas vezes quando estava irritado com o mundo, preferia que fosse um prato de peixe frito com batatas fritas. Porém logo caia na real, ele não poderia ser outra coisa senão uma massa. Isso estava escrito dentro de seu intimo, essa era sua essência, o seu destino, não teria outra cara ou outra vestimenta corpórea. Apesar do ar de serragem, das marteladas e do som repetitivo da serra elétrica, Giordano seria sempre uma massa italiana.



Conto Dez. Um Conto de Fadas?







A Princesa e o Dragão

Poderíamos começar da maneira usual...era uma vez...mas melhor não. Ao invés disso vamos dizer... perto da estátua os bancos estavam vazios. O parque era bem cuidado, mas cheirava a sangue. Perto dali podia-se ver alguns prédios. A sombra das poucas arvore davam uma sensação de pontadas no cérebro. As luzes dos postes eram fracas e escondiam as coisas, ao invés de iluminá-las. Escondiam as formas, e a fera que andava ereta por ali. Lucia se sentia assim nesse lugar: confusa e com pontadas na cabeça, com sentimentos e sensações diversas.  Mas parou e sentou no banco da praça abraçando sua bolsa. Parecia esperar alguém.
-ei você, menina.  Você sentada no banco. Posso ir até ai?
-quem está ai?
-porque você esta sozinha, nessa escuridão? Por acaso não tem medo? Ou prefere os lugares calmos, do silencio, como eu? Não se preocupe, eu sou seu amigo. Poderia até dizer que sou um admirador secreto.
-se você se aproximar eu vou gritar!
-não, não. Eu fico aqui nas sombras só te observando então, esse seu jeito. Só apreciando a sua beleza. Por isso não precisa gritar.
-mas quem é você? Eu estou esperando o meu namorado, ele luta jui jitsu, é um atleta! O pai dele é juiz de direito! Ele já está chegando!
-há-há-há. Mas como você é nervosa! Eu sou um professor. Saio à noite para meditar. Eu tenho uma vida atribulada. Aqui é calmo. Estamos seguros. E também pelo simples fato de você estar aqui, isso me deixa mais calmo e seguro também.
-é que eu estranhei o fato do senhor está ai no escuro. Eu nem senti o senhor chegar.
-me chame de você. Por favor. Afinal não sou tão velho assim.
-tá bom. Você...
-admiro sua coragem. Você me lembra a estória da princesa que queria guarda a coragem dentro de uma caixa. Para que um dia, quando ela precisasse, pudesse usá-la. Mas veio um dragão velho e poderoso e roubou a caixa. Desse dia em diante, a pobre princesa viveu escondida pelos cantos, com medo de tudo e de todos.
 -mas que estória engraçada. Eu posso encontrá-la na internet? É um conto de fadas? Aonde você ouviu essa estória?
-eu a ouvi há muito tempo. Eu nem era professor ainda.
-então você deve mora aqui por perto.  Em que colégio leciona? Mas como está frio aqui.
Um grupo de pessoas veio chegando. Conversavam animadamente, riam. Paulo vinha com o grupo. Chegou junto dela e a beijou no rosto.
-porque você está sentada aqui? Eu falei para você me esperar ali perto da estatua velha. Eu quase não te vi, que escuridão!
- eu estava conversando com o professor. Que está logo ali.
- ali não tem ninguém. Lucia, você tá gozando a gente.
- mas ele estava ali. Eu conversei com ele.
- conversou o que afinal?
-só besteirol. Uma estória sobre uma princesa.
-tá bem, eu não vou dizer a ninguém que você tá ficando doida.
Lucia estranhou tudo aquilo, mas simplesmente levantou-se e foi embora com os outros. Um mês depois um maníaco foi preso. Confessou a policia que caçava suas vitimas, mulheres jovens, nas cercanias da praça da estatua velha. Para horror e espanto de todos a policia encontrou vários corpos enterrados entre as arvores. O homem com uma frieza incomum contou a sua estória para a policia. Ele chamava a si mesmo de dragão vermelho. Como o personagem do livro que gostava.

  







Conto nove. Os pés molhados no Impossivel.





Beijo de Peixe

No horizonte desfigurado pelas nuvens, a beleza estonteante agora dormia. Nas pétalas brancas de flores amordaçadas daquele arbusto onde ele acordou. No mistério. Naquela imagem marinha. Isso foi depois. Voltemos ao momento que eles chegaram. Na beleza e tolerância daquele mar de escolhos do farol ilhado. Tudo estava normal, mas Ernani via algo de ilusório nisso. Naquela ilha estendida, terra horizontal, qual uma cobra de elementos caóticos. O local onde tudo aconteceu. Ele não queria falar nisso de imediato, mas tinha certeza que era uma loucura, o inferno que viveu, ou deveríamos dizer o êxtase? De como em um dia de verão ele foi levado a aquele lugar. Em uma lancha veloz. O mar escapado. Em uma manha tórrida e manhosa. Ele tinha ido com Noêmia sua noiva e o casal de amigos Franco e Joana. Tudo tinha sido planejado minuciosamente. As passagens, a hospedagem e enfim o passeio ate a ilha dos coqueiros. Eles pretendiam ver o farol, que era famoso naquela região. Foi Joana a esposa do amigo que primeiro percebeu.
-essa ilha é engraçada. Parece uma cobra. Vocês não acham?
-essa minha esposa é mesmo imaginativa...
-mas até que nós duas estamos de acordo. Olhando daqui ela é horrível. Que essa ilha a noite deve ser assustadora, ah isso deve!
-o que é isso Noêmia? Bem que a gente poderia fazer a nossa festa de casamento aqui! Seria diferente! Um verdadeiro acontecimento.
-esse meu noivo é mesmo cheio de idéias. Só se for com outra mulher.  Eu não. Acho esse lugar meio assustador. Como é que conseguiram fazer disso aqui, um local de veraneio?
Chegaram ao pequeno e rudimentar bangalô. A luz era proporcionada por velas e candeeiros. O jantar foi maravilhoso: um arabaiana grande cozida, lagostas na manteiga e vinho branco para acompanhar. Os quartos apesar de rústicos eram grandes e confortáveis. A vista para o mar era realmente extasiante. E após toda essa farra, foram dormir.
“A areia estava morna e macia. De vez em quando as ondas traziam a água fria até os pés de Ernani e ele sentia o vento sudoeste no rosto. Uma lua insinuava-se por entre as nuvens baixas. Os sons das ondas se confundiam com uma estranha voz. Ela chamava o seu nome e era uma voz de mulher agradável e caliente. Estava só na praia. Que curioso, não se lembrava de ter ido a esse lugar. Estaria sonhando? Porque estava ali? Aonde estão os outros? Uma mulher aparece ao longe e vem a sua direção. Será que é Noêmia? Mas que surpresa ela havia inventado? Ernani esfrega os olhos e percebe que não era sua noiva. Que a pessoa que se aproxima era uma completa estranha. E na perspectiva que ele tinha, a imagem que se aproximava era bem estranha. Não parecia ser gente. Embora fosse. Uma mistura de luz e escuridão de estrelas envolvia essa pessoa. Era como se fosse um ser marinho com forma humana. E que, de uma maneira alegórica, mágica, desprendia uma forte energia. Uma energia sexual. Essa figura era extremamente feminina. Envolvente e atraente, embora diferente de tudo que ele já havia visto em sua vida. Ela o abraçou. Passou sua língua no pescoço de Ernani. Logo uma fogueira foi acessa. Os corpos queimaram. Ele a possuiu. Ela o dominou. E logo chegaram ao êxtase. Nessa beleza estranha ela o olhou e sorriu. Lindamente. Ele sentia o corpo adormecer. A cabeça pesava. E então suas vistas não conseguiram ficar abertas dentro daquela beleza”.
E foi pela manha que acordou, debaixo de um coqueiro por entre um arbusto de flores brancas, perto da praia. A imagem dessas flores brancas ficaria gravada na sua memória, como um símbolo do inusitado. No caminho dos bangalôs. Ele se espreguiçou, com o rosto inchado de sono, esfregou os olhos. Que sonho estranho. Bateu à areia e dirigiu-se para o balcão de recepção. O administrador estava de cabeça baixa, o mesmo que havia trazido ele e os outros, vendo alguns papeis sobre o balcão. Quando ele levantou a cabeça e viu Ernani, no mesmo momento ficou branco de espanto. Limpou os óculos. Titubeou alguma coisa:
-é o senhor mesmo Sr. Ernani?
-mas é claro que sou eu. Só estou meio tonto. Com uma sede fora do comum. Aonde eu posso beber um pouco de água?
-mas onde o senhor esteve todo esse tempo? Procuramos o senhor por todos os lugares!
-eu sei que bobeei. Embora ainda não consiga entender bem como. Mas eu só passei uma noite fora. Preciso explicar isso a Noêmia e preciso de um banho e um bom café da manhã. Estou bem, não era necessário todo esse cuidado Sr. Vitor.
-como não Sr. Ernani? A polícia foi chamada! A marinha foi chamada! A sua noiva e seus amigos ainda ficaram um bom tempo para acompanhar as buscas!
-mas o que você está dizendo homem? Que estória é essa!
-mas o senhor é dado como desaparecido, já faz um mês inteiro!

  

Conto Oito. Brasília e Figuras Nebulosas.





Noite em Brasília

O rapaz narigudo desceu do carro sem gasolina, perto das árvores, próximo a Esplanada dos Ministérios, e pensou ver uma luz curiosa, castanha brilhante logo adiante, e caminhou até aquele lugar. O vento parecia lhe dizer estranhas palavras, escondidas palavras. Frases completas:
“vem Armando, aqui é o lugar que procura”.
Ele passou a mão no rosto suado. E o vento disse mais alguma coisa:
“Os olhos ludibriam mais que uma imaginação expectante”.
No fundo da claridade um local foi tomando forma. Uma força elétrica estava no ar, como milhões de vaga-lumes a dançarem nos seus olhos. Logo sabia onde estava. E não podia esconder o seu espanto. Corpos de seres bizarros: políticos e empresários famosos balançavam em um ritmo frenético, presos na música eletrônica. Naquele momento, enquanto a musica estridente tocava nunca o ridículo lhe parecera tão usual. Nunca Armando tinha visto tanta assimetria escondida por trás de tamanha falta de compostura. Alguns paletós e gravatas atiradas ao ar por malfeitores em plena alcoolização dos sentidos voavam como pedaços de uma história não contada, na luz caleidoscópica. Rostos ignotos fugiam dos ângulos das câmeras. E seus corpos pareciam desaparecer em pleno ar. O mistério era o senhor da festa. A embriaguês e a ilusão. 
Armando ficou chocado e não conseguiu proferir nenhuma palavra. E o vento ainda lhe lançou uma ultima mensagem quase enigmática:
“o que os seus olhos não percebem os celerados exultam”.

Uma Poesia de Meu Manuscrito "Choque de Corpos e Outros Poemas", que Aguarda Publicação.

Escrever


Jamais esconda o germe
Apenas a verdade sobrevive
Em repetidos versos escalonados.

Cogite a lenda, nefrálgica,
Que surgiu com o sol.

E então surpreenda o tempo com sua verdade.

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Conto Seis. Crime é Crime.





O Lago do Morto

O lago estava parado. Parecia congelado no tempo, estranhos reflexos de luz lembravam coágulos e vegetação por toda parte sem cor ou movimento. A morte parecia rondar os galhos e as estrelas eram pequenos olhos que procuravam penetrar até o intimo das coisas. Sua mão estava suja. Andou e a lavou na água do lago. Pequenas pedrinhas podiam ser vistas pela água transparente. Agora aquele lençol estava turvado. Não sabia que aquele tipo de acontecimento podia turvar e tornar a calmaria das águas naquela confusão dos sentidos. Pega a faca. A limpa também. Pensou ver algum movimento na estrada.
Seus sentidos o enganavam. Retirou “a coisa” do saco. Achou que foi rápido. Tudo que queria era que não o vissem. Teria que dar explicações bisonhas, inverossímeis. Mas não. Tinha feito tudo corretamente. Esse saco era o ultimo, o da “cigana”. Mais um que era liquidado. Havia dado trabalho, mas no final conseguira segurar, amarrar e finalmente fazer o serviço. Passou as mãos no rosto sujo. Alguém poderia aparecer. E dizer que ele era um criminoso. Que fizera algo muito ruim.
Chegou ao canil logo cedo. Como em todos os dias. Em todos esses dias foram exatamente trinta e dois, que ele invariavelmente levara até a beira do lago para jogá-los nas águas. Cada saco tinha um nome de cada animal do canil. O veterinário lamentava. Mas aquela comida estava condenada. Não serviria para os cães. Mas os peixes poderiam se alimentar. Os trinta e dois sacos cheios de restos e de ração mofada eram levados a noite, por medo de pensarem que estavam poluindo o lago. Com a nova legislação sobre o meio ambiente, era tudo muito arriscado. E o seu temor era justificável, afinal, o que pensariam dele? Que era um criminoso?






Conto Cinco. Quem Não Gosta de Futebol?





O Campo Verde

Ainda era cedo e a levaram até o gramado. A artista improvável. Tudo brilhava e era um dia para não se esquecer. Alguns operários ligaram o sistema de irrigação automática e a água jorrou em esguichos simétricos. Um mais zeloso colocava uma rede novinha, branca como uma rosa branca. Ela achava tudo aquilo a maravilha das maravilhas. As pessoas começavam a chegar com suas roupas coloridas para a festa, e procuravam uma cadeira melhor lá no alto. Quatro rapazes traziam uma faixa verde e amarela, com alguma coisa escrita nela. Nessa primeira hora de cuidados, o sol já começava a sua descida briosa, rumo ao outro lado do planeta. Um menino escuro se aproximou e passou por sobre ela as mãos em um afago delicado. Existia uma expectativa no ar, todos podiam sentir uma espécie de eletricidade que voava por sob o campo verde. Uma sombra de estrutura se aproximava dela, enquanto os raios solares se afastavam enfraquecidos e frios. Parecia que dentre e pouco o espetáculo iria começar, e só esperavam os detalhes indispensáveis, prestímano, que fariam daquele lugar palco de um dos maiores espetáculos da terra. Depressa sem que ela percebesse o grande palco ficou cheio. Duas massas de cores diferentes agitavam bandeiras, aos gritos, a loucura.  Em um êxtase profundo e enigmático, os selecionados entraram. Um grande sábio, de autoridade, a abraçou com olhos graves, e lentamente, solenemente, a colocou no centro do palco. O gigantismo da ocasião, por uma razão mágica, causou a ela um transe extático, de uma sensação tão magnífica, que ela poderia ficar assim para sempre, parada no tempo e no espaço. Mas ao som divino de um apito, sente a primeira força. A lei da gravidade. E o seu corpo é impulsionado por uma energia cinética e astral. E nessa maravilhosa dança de Deus, encontra finalmente os pés do amado. Aquele que nervosamente, procura entender os seus caminhos e corre atrás da esperança. 






Conto Quatro. Um Ponto de Vista.





O Passeio

E então o detetive particular foi chegando próximo a mata fechada, onde ainda restava alguma luz visível. Pensou discernir alguma forma por entre os arbustos. Engano. Eram apenas sombras que brincavam com os galhos e atormentavam os insetos. Mas porque aceitou esse trabalho? O cara pechinchou até quase lhe tirar as roupas. Sim- respondeu, ele desconfiava que a mulher o traísse. Não. Nunca havia tirado fotos dela em motéis. Que cara chato. Esse cliente tinha uma maneira obsessiva de pedir as coisas.
Entrou mais ainda na mata, e caminhava como que deslizando com passos lentos e estudados. Pensava na inutilidade desse ato, ali quisera resolver alguma coisa, queria divisar a descoberta. A melhor para todos: ela, saindo sorridente por entre os galhos verdes, dizendo que havia se atrapalhado, que havia perdido a bolsa e os documentos. Mas ao invés disso, desse pensamento otimista, estava diante de uma perna nua, com as unhas pintadas de vermelho. Uma perna de mulher.
O detetive particular saiu da mata. Olhos arregalados. Cara de espanto. Guardou as coisas no carro. Procurou o GPS e não achou. Limpou a maquina fotográfica digital, para clarear as idéias. Tirou o celular da pasta e ligou para o seu cliente.
-alo. É o Sr. Silveira? É melhor o senhor vir pessoalmente. Eu creio que será necessária uma boa dose de sangue frio do senhor. E também traga um medico.
Quando Silveira chegou seguido de seu medico, o detetive particular os levou até aquele local malfazejo. Por entre o verde de alguns capins altos e inclinados, encontraram uma perna que ia até o joelho apenas. Uma parte incompleta da esposa do pobre Silveira. O médico abraçou o seu cliente que chorava copiosamente. O médico condoído indagou: 
-eu não sabia que sua esposa tinha uma prótese desse tipo, aliás, eu nem sabia que ela era amputada. Ninguém sabia.
-eu nunca contei para ninguém, era um segredo nosso.
O detetive falou que talvez alguém perto dali, soubesse do paradeiro da jovem senhora, e que faria uma sondagem para tentar descobrir alguma coisa. Afinal, uma mulher pulando em uma perna só não podia ir muito longe. Os três homens foram até um casebre ali perto e interrogaram os moradores. Mas ninguém parecia ter visto nada. Eles já se preparavam para ir embora quando chegou um menino correndo. Ele falou que tinha visto uma mulher perneta apoiada por um negro magro e dentuço. Os dois entraram em um carro popular meio desgastado pelo tempo, e seguiram na direção da ponte. O desconsolado Silveira encheu-se de esperança, afinal ela poderia ter se ferido e ter sido ajudada por alguma boa pessoa. Apesar dos tempos sombrios em que vivemos, existem pessoas de bem, prontas a ajudar. Ele já esboçava um sorriso de um mitigo luzente, quando o menino inadvertidamente disse que uma vez dentro do carro eles começaram a se beijar, a se esfregar e ela começou a proferir ruídos estranhos, como se gemesse algum animal vexado. O pobre Silveira arregalou os olhos e deixou o queixo despencar das alturas do bigode. E então o medico tentou dar-lhe um abraço amigo e foi empurrado por mãos indignadas:
- Onde já se viu? Ela beijar um total desconhecido? - disse o miserável Silveira.
Tudo isso para ele era realmente um disparate. O marido colérico acusou o pequeno menino de inventar essa estória, de uma mente infantil com excessiva riqueza de imaginação. Mas o detetive já calejado dessas estórias de cônjuges desconjuntados e desmembrados já percebia a verdade e  ficou calado, tentou entregar a Silveira a perna de sua esposa, ou melhor, a prótese que imitava uma idêntica perna de mulher que tinha as unhas pintadas de vermelho. Mas Silveira não via mais nada de objetivo. Só queria saber por que ela ainda não tinha telefonado para ele.       






Conto Três. O Que é Um Sonho?





O Menino que Pula o Barco

Ele pulou igual a um gato. Eram oito embarcações lado a lado, e ficou satisfeito quando finalmente conseguira pular do “laço de família” para “o bispo”. Esse menino tinha esse jeito peculiar de saltar: com uma perna de cada vez à medida que avançava em uma corrida arriscada, barco a barco mesmo quando o balanço da maré era forte. Essa estripulia lhe lembrava, em sua maneira um tanto pueril de ver as coisas, um jogo de amarelinha, com suas seguranças e suas quedas. Lulinha era pequeno e magro, pés descalços e uma grande vontade de agradar o pai, o Jeremias pescador. Como se não bastasse, ele dizia ao pai que um dia seria o capitão de um grande navio, que circundaria o mundo e veriam todos os por do sois que houvesse para ver. Que a liberdade que prezava acima de tudo o impulsionaria em suas viagens.
Era assim que o garoto pensava. O futuro e o que viesse depois disso. Um capitão de navio. Mas o pai ficou doente de tuberculose, e então, tiveram que se mudar, de ser afastar do vento do mar, das noites de inverno da praia. A família foi levada para uma viajem sem retorno para longe do litoral e do sonho de lulinha de se tornar um dia um capitão de navio. Por um tempo, ele ficou assim meio extático e carrancudo, crédulo que ele havia perdido a sua liberdade e que nunca mais sentiria aquela sensação maravilhosa, plena, de quando ele saltava os barcos balançados pela maré.
Contudo, o tempo passou, correu como se a lua e o sol estivessem com pressa, o menino espichava e ganhava pêlos como um bicho. Ele cresceu.  Descobriu o prazer em outra atividade. No esporte, de corrida com barreiras. Ali percebeu que aquela técnica particular, de correr e pular com uma perna de cada vez, lhe seria útil. Então havia outras formas de liberdade, ponderou. Que poderia sentir aquela mesma sensação sublime de maneira renovada. E o mar, e a viajem, eterna naquele mar eterno? Aquele pensamento custou a desgrudar dele. Por aonde ele ia, o mar e o seu cheiro, o som das ondas, o barulho que faz os cardumes quando saltavam em fuga, e o olor de alga misturado a estrelas. Ele levava consigo todas essas imagens, e sentia todas essas coisas, em seu corpo, em suas roupas, nos seus cabelos enleados. E essa lembrança ele não deixaria que fosse embora.
Quando ele pensou que tinha esquecido suas raízes, ocorreu um fato curiosíssimo.  Um dia o nosso atleta estava se preparando para disputar uma “bateria” dos jogos sul americanos. As grandes emissoras de televisão estavam lá. E valia medalha. Lulinha era um dos favoritos. Uma chuva fina estava caindo desde cedo. A temperatura estava nos cinco graus apenas. Estava frio demais. Nessas condições adversas, o nosso amigo corredor, estava no vestiário quentinho, no maior conforto, quando bateu um sono contagiante. Ele logo adormeceu e seus roncos podiam ser ouvidos por todo o estádio. Na hora marcada para a prova, os juízes e organizadores deram pela falta de um competidor. Um fiscal foi mandado ao vestiário para encontrá-lo. O rapaz chegou à porta e ouviu um som estranho. De ondas que batem como marouços turbulentos. Lá dentro era ouvidos gritos de homens como a comandar um navio. O fiscal coçou a cabeça incrédula. Bateu na porta, para que alguém o ouvisse. E como o som de estronde foi aumentando ele tratou de se afastar dali correndo.  E num minuto depois, quando ninguém estava esperando, as portas foram arrombadas por um grande volume de água. Era água do mar, que em uma torrente criou um grande rio que cortou o estádio ao meio. A multidão maravilhada via por entre as águas grandes cardumes e baleias em um desfile pasmoso. Quando todos já estavam se acostumando a essa visão extranormal, um navio a vela saiu do vestiário. Uma escuna de três mastros, grande e elegante, com a tripulação completa, e o mais incrível, o nosso amigo, o menino que na infância pulava barcos, estava no leme como um capitão. Todos se entreolhavam e discutiam o porquê desse prodígio. As emissoras de televisão que estavam cobrindo aquele evento esportivo pensaram que aquilo tinha sido uma surpresa de ultima hora dos organizadores, e trataram de levar ao mundo todo, essa noticia interessante como se fizesse parte daquele evento esportivo. Mas o barco simplesmente seguiu aquele curso de rio marinho. Grandes velas brancas abertas, rumo a um destino desconhecido. Na descida do sol. Rumo ao sonho do menino.  

Porque escrevo Contos.





Um amigo perguntou-me, em duvida, se esses contos no blog eram de minha autoria. E eu respondi que sim. É claro. Jamais postaria contos de outros sob meu nome. Posso escrever mal, ou de maneira simplória (nem sempre, escrevo teses,artigos e textos bem mais complexos, mas escolhi contos simples para postar nesse blog), mas sou fiel ao meu processo de criação. Escrevo, porque devo escrever. Disse a ele também, que esse era um dos meus pequenos prazeres. De escrever, contar uma estória. Repito, se são boas histórias, não sei dizer ao certo pois são vocês, os leitores, que irão julgar e comentar. E talvez nesse processo despretencioso, ludico, consigamos trazer alguma coisa a luz, algo que sirva de forma pueril a nossas reflexões literárias. Devemos nos lembrar, que a forma narrativa consegue, por sua capacidade intrínseca,  de revelar o que vai por dentro das pessoas. Em materializar, de trazer a luz os sentimentos alheios, os pensamentos em "fluxos de consciências", de mostrar pontos de vista, angulos e caminhos que outras formas de escrita não conseguem. Isso é um fato, gramatical e epistemológico. É um fato da essencia da propria literatura. E quiça da vida. Por isso eu escrevo. E me deleito muito com isso. Se eu não tivesse tido essa iniciativa, a de compartilhar o que escrevo, com certeza tudo continuaria a existir. O mundo permaneceria o mesmo. Esses textos  permaneceriam perdidos no fundo da gaveta. E com o tempo se transformariam em pó. As idéias, personagens e casos, por simples que sejam, se perderiam para sempre. A vida continuaria, mas devo confidenciar a vocês, que teria aquele sentimento de incompletude. De maneira piégas, devo dizer, que eu estaria menos feliz. No entanto, falou mais alto a parte em mim que vibra o digitar de cada letra, e o nascimento de cada personagem. Como se fosse um rebento de símbolo. Uma forma arcana e simples de felicidade .

Um Pequeno Conto Para Esquentar.

Um Conto quase uma Crônica



Um Dia de Caminhada


Minha mulher estava uma macaca. Pelo menos era assim que se sentia. Ela me diz que não há nada pior para ela, do que não raspar as pernas e fazer as sobrancelhas. Bobagens, eu digo, mas nesse excesso feminino se esconde o seu comezinho da vaidade, eu sei. Ela faz essa analise estética, enquanto andamos em passos largos pela lagoa de captação, o lugar que escolhemos para a nossa caminhada matinal. O medico recomendou: caminhada e dieta. Sendo assim, só poderíamos obedecer. O sol se espreguiça por trás das nuvens e um alarido de passarinhos nos acompanha quando saímos do “Serrambi Cinco”. Nas voltas circulares que damos todos os dias, encontramos outros caminhantes a procura da eterna juventude. Podemos dizer que são nossos “velhos amigos”, pelo menos em nossa imaginação. Essa de colocar apelido nos outros, é idéia de minha mulher, eu juro! Para cada um desses caminhantes anônimos, que estão como nós à procura da boa saúde existem personagens idealizados segundo as suas características físicas. Devo lembrar que tudo isso é obra de minha mulher. Mulher terrível,não perdoa um defeito.  Temos o casal megafone, um afro magrinho e falador que com sua voz potente alta e rápida o faz a alegria da manhã. Sua companheira não fica atrás nesse atributo, embora nós só a tivéssemos visto uma ou duas vezes. A voz desse companheiro é tão alta que podemos escutá-lo no outro lado da lagoa, conversando, discutindo, cumprimentando a quem passa por ele. Temos “o Cotoco” um moreno baixinho com suas pernas grossas e curtas em seus passos rápidos.  Lá vem “o Ligeirinho” apelido dado por causa do ratinho do desenho animado, ele é um senhor idoso e calmo que paradoxalmente sempre nos passa na caminhada! Quando parece que ele caminha de vagar quase parando! Temos outro personagem de desenho “o papa- léguas” um rapaz ligeiro e magricela, que nos passa em sua corrida. A “patinha” que é uma mulher loura, de mais ou menos um metro e cinqüenta e cinco centímetros, que sempre vem em sentido contraria ao nosso. Temos o “Tatu Peba” um sujeito quase da minha idade com suas pernas arqueadas e seus passos cadenciados. Ah sim, já ia me esquecendo do “Bunda de Pluf”, um sujeito de traseiro amassado. Eu sei, é um apelido irresponsável, mas minha esposa não havia pensado em nenhum outro que se adequasse. Esses são os personagens principais, que fazem nossa caminhada matinal menos monótona. Afinal a imaginação é uma função intelectual, humana e higiênica para nossa sanidade mental. Já é hora de parar e voltar ao “Serrambi Cinco” o nosso ansiado “apê”. O suor escorre quente e relaxante por nosso corpo, É o momento dos alongamentos. Um senhor passa por nós e nos cumprimenta: “bom dia!” os caminhantes diminuem e o sol começa a esquentar. O trafego fica mais perceptível e insensível. Logo, os barulhos do transito, se tornam incômodos a nossa tranquilidade. É o momento de irmos para casa. Amanhã teremos outra oportunidade de eliminar as toxinas que nos perturbam o corpo, em sua artimanha silenciosa. E então reencontraremos esses “velhos amigos”, e veremos o céu azul, o gorjeio dos passarinhos e agradeceremos mais esse dia de caminhada.