segunda-feira, 30 de julho de 2012






Vida Suja

Os carros estavam todos juntos como murros impenetráveis. Qualquer sombra era um vulto, e qualquer vulto era aquele homem. Os olhos do guarda ardiam como tochas de fogo, e seu suor escorriam pela mão que carregava a pistola. Entre os carros, pessoas desciam despreocupadas, ignorantes do perigo iminente. Passaram-se alguns minutos até que ele o visse. O malandro estava escondido embaixo de uma caminhonete. Olhos esbugalhados, o revolver em punho pronto para suprimir mais uma vida.
O malandro quis disfarçar. Escondeu a arma. Tentou fugir com a fumaça dos carros. Mas o seu movimento foi detectado. Sentiu a barriga pegar fogo. A vista escurecendo. E só deu tempo de ver o guarda, a forma encardida se aproximando, flutuando como um anjo da morte. E então ele sentiu o seu corpo rasgar como um envelope, e de dentro desse envelope saiu uma longa “folha corrida”. Caíram letras e palavras. Pedaços de histórias. Caiu uma flor do chapéu de uma velha senhora espancada. Caiu um sorriso de menina, apagado na hora da morte. Caiu um anel de noivado que foi seqüestrado e não roubado, como pensam alguns. Caiu uma frase de pedido de clemência de um taxista. Até os rabiscos de um poema escrito nas paredes de uma cela em Osasco. O facínora deu o ultimo suspiro.  E então caiu ao chão toda uma história suja de sangue.

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