quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Conto Vinte. "Me Engana Que EU Gosto."











Despedidas e Tapas

Um
O amor pode ser ao mesmo tempo idolatria e odiosidade? Sempre fiz essa pergunta para mim mesmo, e nunca encontrei uma resposta satisfatória. Um relacionamento amoroso pode acabar como uma atroz despedida sem sonhos. Eu sei que posso estar extrapolando. Mas como ela diria: uma pessoa não é feita de papel. Eu conheci Claudia na rede social “Facebook”. Foi meio uma brincadeira, eu estava consciente de que ela tinha uma personalidade forte. Entretanto ela se mostrou muito pior do que eu imaginava. Palavras afiadas como adagas. Ela começou a me atacar. Primeiro porque sempre queria ter a palavra final sobre tudo. Depois pelo simples prazer. De controlar, de manipular, de morder como uma cadela no cio. Deixa-me explicar melhor. Eis a arma da amada. Ela usa o sexo. Do alto dos seus um metro e oitenta e cinco. Um corpo que é uma maquina. Olhos claros como um rubi perdido. Uma boca que parece uma armadilha, de tão atraente. E o que mais? Ah sim. Ela é muito inteligente. Com uma mente voltada para arrancar todo o seu dinheiro, até o ultimo centavo! Com ela é uma aventura sem sonhos de lírios. Quando nos separamos, ela começou a me perseguir. Tentou acabar comigo quatro vezes. Na primeira vez foi o acidente de moto. É ela sabotou o freio. Na segunda foi o sanduiche. Ela arrumou minha rede, me deu um perfume de presente, e depois me serviu um hamburg envenenado. Eu só acordei no hospital. Depois foi a facada. Essa pegou na mão. Mas ela queria me acerta no pescoço. E enfim uma tentativa mais sutil. Ela criou uma “estória”, nessa eu realmente quase danço. Nessa estória inventada por ela, eu era o amante ardente de Silvia, uma linda esteticista, uma conhecida nossa que era totalmente devotada à família, ao marido e aos dois filhos pequenos. O toque de perversidade, foi arquitetar a coisa de maneira que Walter o marido dessa moça, acreditasse piamente nisso. Ela forjou fotos, conseguiu introduzir mensagens de email no notebook de Silvia. Por fim, eu quase levo um tiro.  Querem mais? Mas vocês são meios sanguinários, não?!


Dois
Desfalece a noite. No condomínio fechado Claudia se encontra com Renato o gordo advogado, meio homossexual, diga-se de passagem, o amigo perseverante. Com angústia fria. Era assim que Claudia queria fazer. Uma vingança completa. Ele teria que sofrer:
-esquece isso Claudia. Você é linda, rica, qualquer homem quer uma mulher assim. E também ele está em outra. Eu soube que ele nem lembra mais de você!
-mas ele tem que lembrar. Ou você acha que vou deixar barato? Ele me deve.
-o que ele te deve? Você arrancou tudo dele! Praticamente deixou o pobre coitado só na tanga. Você está esquecida que fui eu o arquiteto de todo o processo, do litígio? O que você quer mais? O cadáver?
-e porque não? Ele ainda me deve. Odeio esse babaca.
-hum... Estou achando que você quer uma coisa que não pode ter. Tem certeza de que estamos falando da mesma pessoa? Ou você ainda está com o periquito amarrado?
-lá vem você com suas teorias sem sentido. Eu só quero que ele sofra. É pedir demais?
Diziam as más línguas que Claudia nutria uma paixão avassaladora por Eduardo. Mas que ela nunca admitiria para ninguém esse fato. Cada vez que ele era visto com uma mulher. Ela só faltava enlouquecer, diziam.  Ela nunca aceitaria que ele amasse outra mulher. Segundo essa versão dos fatos existia dias em que ela ficava completamente descontrolada. O sentimento de posse era como uma nuvem negra que eclipsava tudo que ela via, sentia, cheirava ou comia. Existiam dias em que ela simplesmente só pensava em Eduardo. Por isso ela tentou varias vezes se livrar dele. Tentou acabar com essa agonia. A de um amor estranho. Ilógico. Ela achava que eles não combinavam em nada. Nunca concordaram com nada.  “Diferentes bandeiras” uma amiga lhe disse uma vez. Existem relacionamentos amorosos que lembram nações inimigas. Cuja fronteira está sempre em litígio. Uma cultura totalmente estranha uma a outra. Mesmo nessa época de globalização essa idéia ainda prevalece. E ela procurou compreender com todas as suas forças, o porquê desse sentimento. Dessa obsessão louca. Ele não era nem o seu tipo de homem. Era meio calvo. Tinha uma barriga estufada. Um tipo nada atlético. Por isso e outras coisas ele tinha que sofrer muito. Pelo menos era isso que diziam as más línguas: que ela tinha essa paixão enterrada por dentro de seu corpo. Crescendo como um parasita ou um “alien” daquele filme de ficção cientifica.


Três
Na calada da noite. Foi dessa maneira que Eduardo conseguiu ver Claudia. De longe. Ele na penumbra. Morrendo de medo que ela o visse. Mas o que ele estava fazendo? Ela tentou matá-lo. E mais de uma vez! No entanto ele estava ali, o coração apertado, quase as lagrimas. Mas que masoquista de merda! Será que não aprenderia nunca? Essa mulher é o cão chupando manga! Com aquela calcinha de coelhinhos então! Que Deus tivesse piedade de sua alma! É só dessa vez, pensou, ele não a veria mais. Seria sensato. Teria vergonha na cara. Ou assim esperava que acontecesse.



Quatro

-Minha face. Eu não quero que você toque na minha face. Você é má. É traiçoeira. É uma serpente.
-mas quem disse que eu quero te tocar? Eu quero que você morra seu babaca. Como eu sou incompetente, deveria ter contratado um profissional para acabar com você.
-então porque não contratou? Por acaso perdeu o jeito. O sangue frio?
-não me provoca.
-senão o que? Vai rasgar a calcinha de coelhinhos, só de raiva?
-porque falou na calcinha? Você está ficando excitado?
-só se eu fosse louco. Um lunático. Um paria. Ai talvez você tivesse alguma razão!
-então para de me olhar assim!
-assim como?
-como se fosse me devorar, me chupar, como um sorvete de morango!
-ah o sorvete de morango é covardia! Não tem outra metáfora para usar? Essa e golpe baixo.
-só porque eu sussurrava isso no seu ouvido no quarto? Mas que fraqueza.
-eu não entendo porque colocaram a gente conversando assim. Ainda não entendi.
-e eu menos ainda! Ai! Estou com uma dor na coxa! Acho que é câimbra.
-mas que coxa! Quero dizer, são essas cadeiras. Só faltam aleijar a gente.
-eu sei. Por isso evito me sentar por muito tempo em qualquer lugar. Sempre foi assim, lembra?
-mas é claro! Lembro-me do dia que você ficou com os quadris doendo. Foi por causa daquela poltrona que comprou. Você pagou uma nota por ela, não foi?
-o dinheiro foi seu.
-mas você escolheu.
-está bem, fui eu!
-falando nisso, você está muito bem. É o cabelo, esse corte novo valorizou o seu rosto.
-acha?
-claro.
-saber o que eu queria agora? Um sorvete de morango! E você?    
-eu? Um roçar qualquer de seus cabelos.