As formas escuras corriam pela estrada de terra. Em sua fuga alucinada se atropelavam se mordiam e se misturavam como impurezas. Rolavam uma sobre as outras como bolas de farrapos: sujas, enfurecidas, mirabolantes e covardes. Eram tantas que na virada da esquina quase antepararam aquela fuga estranha. Por alguns instantes ficaram amontoadas como um monte de bosta. Mas o terror era maior. E como ratos, pulavam e se esgueiravam. Enquanto fugiam dos tiros.
Um grupo de “caçadores” observava “os ratos” por miras telescópicas. O mais alto coçou a cabeça por baixo do boné, e perguntou para o mais baixo:
- Você trouxe a gaiola?
- Trouxe.
- E as cordas? Trouxe aquelas que eu pedi? As de cerdas de náilon?
- Também.
- Pelo o que estou vendo aqui, vamos precisar de um monte de gaiolas.
- Tá parecendo um filme que eu vi. Era uma fuga de um campo de prisioneiros. Do alto um avião caça passava e metralhava a estrada. Tinha um que se arrastava com as tripas de fora. Outro carregava um colega e caia um braço do corpo. Eu não consegui dormir direito depois do filme.
- E qual é o nome do filme?
- Não me lembro.
- Você tomou muita cerveja cara?
- Não.
- Então foi uma pizza estragada.
- Não, eu não consegui dormir mesmo por causa daquela cena. O do cara se arrastando com as tripas de fora, penduradas pela barriga.
- Ei, tá vendo aquele ali? Parece que levou um tiro e está sendo arrastado por um outro “rato”! Deve ter sido um cara do BOPE, eles atiram prá caramba! Vamos atirar naquele que está carregando uma trouxa na cabeça?
- Não. Pode deixar. Essa cena já é mais triste do que aquela do filme. Que futuro esses caras tem? Uma mãe não pode ver um filho assim.
- Assim como? Tá delirando?
- Como um cara que levou um tiro em uma estrada de terra. É assim que a mãe dele vai ver!
- Mas eles vão aprontar mais confusão!
- É. Mas hoje não. Guarda o fuzil, vamos lá. Até um “rato” pode virar gente.