sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Conto Doze. O Trabalho Dignifica o Homem, Eu Sei.







Viciado em Trabalho

Estava curvado. Sentia o peso de vários livros nas costas. Sua essência – a desse homem - era de madeira velha, escura e mal acabada. Nogueira endireitou os óculos no rosto e virou-se para a tela do computador. Sentia-se um objeto inanimado, que repentinamente ganhara quatro pernas. A sala estava quente como um forno, e não conseguia encontrar a caneta. Procurou e em alguns minutos achou-a no seu ombro direito. Perto dos livros em sua costa.
Na semana passada, o chefe lhe aconselhou: “toma cuidado com os cupins, que são a causa de vários desastres”. Poderia sentir uma pontada no peito, e por certo, mesmo remotamente, os cupins eram a causa. A umidade também lhe era prejudicial. Assim como um ressequido nas pernas. Para isso, um óleo era salutar.
O verdadeiro desastre para Nogueira, na verdade, foi à perda de Elizete sua amada. Ela não suportou as investidas de uma secretaria assanhada. Uma mulher grande que parecia um armário. Uma cara de peroba mal construída, de linhas planas e marrom tabaco. Essa “biscate” engatou uma gaveta em Nogueira e ai foi à confusão. A calamidade estava feito. O que Nogueira podia fazer? Nada. Ele era viciado em trabalho.




Conto Onze. Esse Cara Só Pensa em Comida.





Macarronada com Serragem

Estava serrando uma porta de armário.  E como sempre, começou a ter pensamentos diferentes. Sempre se achou meio estranho. Na verdade, tinha idéias, que confundiam suas certezas e afinidades. Gostava de se ver como um gourmet refinado. Embora a família o achasse meio pancadão.  O certo é que naquele dia especifico, suas manias estavam aflorando pelos poros. Estavam saindo aos borbotões junto com o suor do corpo. Os parafusos na boca, o molho ao sugo em sua cabeça. Depois da terceira hora de trabalho o estomago de Giordano já roncava. E nessas horas, a sua fome era tal, que acabava se confundindo nas coisas. Agora por exemplo, sentia-se um talharim com bastante queijo. Mas pensando bem, era um dia frio e nublado, e com toda certeza, preferia que fosse um canelone com molho branco bem quente, com um vinho suave acompanhando, e seguramente, após outra pasta suculenta viria um pudim de ameixa. Mas como poderia se concentrar naquela porta se tinha esses sentimentos fundamentais? Há muito tempo que se sentia assim: como se todo o seu ser fizesse parte da culinária italiana. É certo que uma ou duas vezes quando estava irritado com o mundo, preferia que fosse um prato de peixe frito com batatas fritas. Porém logo caia na real, ele não poderia ser outra coisa senão uma massa. Isso estava escrito dentro de seu intimo, essa era sua essência, o seu destino, não teria outra cara ou outra vestimenta corpórea. Apesar do ar de serragem, das marteladas e do som repetitivo da serra elétrica, Giordano seria sempre uma massa italiana.



Conto Dez. Um Conto de Fadas?







A Princesa e o Dragão

Poderíamos começar da maneira usual...era uma vez...mas melhor não. Ao invés disso vamos dizer... perto da estátua os bancos estavam vazios. O parque era bem cuidado, mas cheirava a sangue. Perto dali podia-se ver alguns prédios. A sombra das poucas arvore davam uma sensação de pontadas no cérebro. As luzes dos postes eram fracas e escondiam as coisas, ao invés de iluminá-las. Escondiam as formas, e a fera que andava ereta por ali. Lucia se sentia assim nesse lugar: confusa e com pontadas na cabeça, com sentimentos e sensações diversas.  Mas parou e sentou no banco da praça abraçando sua bolsa. Parecia esperar alguém.
-ei você, menina.  Você sentada no banco. Posso ir até ai?
-quem está ai?
-porque você esta sozinha, nessa escuridão? Por acaso não tem medo? Ou prefere os lugares calmos, do silencio, como eu? Não se preocupe, eu sou seu amigo. Poderia até dizer que sou um admirador secreto.
-se você se aproximar eu vou gritar!
-não, não. Eu fico aqui nas sombras só te observando então, esse seu jeito. Só apreciando a sua beleza. Por isso não precisa gritar.
-mas quem é você? Eu estou esperando o meu namorado, ele luta jui jitsu, é um atleta! O pai dele é juiz de direito! Ele já está chegando!
-há-há-há. Mas como você é nervosa! Eu sou um professor. Saio à noite para meditar. Eu tenho uma vida atribulada. Aqui é calmo. Estamos seguros. E também pelo simples fato de você estar aqui, isso me deixa mais calmo e seguro também.
-é que eu estranhei o fato do senhor está ai no escuro. Eu nem senti o senhor chegar.
-me chame de você. Por favor. Afinal não sou tão velho assim.
-tá bom. Você...
-admiro sua coragem. Você me lembra a estória da princesa que queria guarda a coragem dentro de uma caixa. Para que um dia, quando ela precisasse, pudesse usá-la. Mas veio um dragão velho e poderoso e roubou a caixa. Desse dia em diante, a pobre princesa viveu escondida pelos cantos, com medo de tudo e de todos.
 -mas que estória engraçada. Eu posso encontrá-la na internet? É um conto de fadas? Aonde você ouviu essa estória?
-eu a ouvi há muito tempo. Eu nem era professor ainda.
-então você deve mora aqui por perto.  Em que colégio leciona? Mas como está frio aqui.
Um grupo de pessoas veio chegando. Conversavam animadamente, riam. Paulo vinha com o grupo. Chegou junto dela e a beijou no rosto.
-porque você está sentada aqui? Eu falei para você me esperar ali perto da estatua velha. Eu quase não te vi, que escuridão!
- eu estava conversando com o professor. Que está logo ali.
- ali não tem ninguém. Lucia, você tá gozando a gente.
- mas ele estava ali. Eu conversei com ele.
- conversou o que afinal?
-só besteirol. Uma estória sobre uma princesa.
-tá bem, eu não vou dizer a ninguém que você tá ficando doida.
Lucia estranhou tudo aquilo, mas simplesmente levantou-se e foi embora com os outros. Um mês depois um maníaco foi preso. Confessou a policia que caçava suas vitimas, mulheres jovens, nas cercanias da praça da estatua velha. Para horror e espanto de todos a policia encontrou vários corpos enterrados entre as arvores. O homem com uma frieza incomum contou a sua estória para a policia. Ele chamava a si mesmo de dragão vermelho. Como o personagem do livro que gostava.

  







Conto nove. Os pés molhados no Impossivel.





Beijo de Peixe

No horizonte desfigurado pelas nuvens, a beleza estonteante agora dormia. Nas pétalas brancas de flores amordaçadas daquele arbusto onde ele acordou. No mistério. Naquela imagem marinha. Isso foi depois. Voltemos ao momento que eles chegaram. Na beleza e tolerância daquele mar de escolhos do farol ilhado. Tudo estava normal, mas Ernani via algo de ilusório nisso. Naquela ilha estendida, terra horizontal, qual uma cobra de elementos caóticos. O local onde tudo aconteceu. Ele não queria falar nisso de imediato, mas tinha certeza que era uma loucura, o inferno que viveu, ou deveríamos dizer o êxtase? De como em um dia de verão ele foi levado a aquele lugar. Em uma lancha veloz. O mar escapado. Em uma manha tórrida e manhosa. Ele tinha ido com Noêmia sua noiva e o casal de amigos Franco e Joana. Tudo tinha sido planejado minuciosamente. As passagens, a hospedagem e enfim o passeio ate a ilha dos coqueiros. Eles pretendiam ver o farol, que era famoso naquela região. Foi Joana a esposa do amigo que primeiro percebeu.
-essa ilha é engraçada. Parece uma cobra. Vocês não acham?
-essa minha esposa é mesmo imaginativa...
-mas até que nós duas estamos de acordo. Olhando daqui ela é horrível. Que essa ilha a noite deve ser assustadora, ah isso deve!
-o que é isso Noêmia? Bem que a gente poderia fazer a nossa festa de casamento aqui! Seria diferente! Um verdadeiro acontecimento.
-esse meu noivo é mesmo cheio de idéias. Só se for com outra mulher.  Eu não. Acho esse lugar meio assustador. Como é que conseguiram fazer disso aqui, um local de veraneio?
Chegaram ao pequeno e rudimentar bangalô. A luz era proporcionada por velas e candeeiros. O jantar foi maravilhoso: um arabaiana grande cozida, lagostas na manteiga e vinho branco para acompanhar. Os quartos apesar de rústicos eram grandes e confortáveis. A vista para o mar era realmente extasiante. E após toda essa farra, foram dormir.
“A areia estava morna e macia. De vez em quando as ondas traziam a água fria até os pés de Ernani e ele sentia o vento sudoeste no rosto. Uma lua insinuava-se por entre as nuvens baixas. Os sons das ondas se confundiam com uma estranha voz. Ela chamava o seu nome e era uma voz de mulher agradável e caliente. Estava só na praia. Que curioso, não se lembrava de ter ido a esse lugar. Estaria sonhando? Porque estava ali? Aonde estão os outros? Uma mulher aparece ao longe e vem a sua direção. Será que é Noêmia? Mas que surpresa ela havia inventado? Ernani esfrega os olhos e percebe que não era sua noiva. Que a pessoa que se aproxima era uma completa estranha. E na perspectiva que ele tinha, a imagem que se aproximava era bem estranha. Não parecia ser gente. Embora fosse. Uma mistura de luz e escuridão de estrelas envolvia essa pessoa. Era como se fosse um ser marinho com forma humana. E que, de uma maneira alegórica, mágica, desprendia uma forte energia. Uma energia sexual. Essa figura era extremamente feminina. Envolvente e atraente, embora diferente de tudo que ele já havia visto em sua vida. Ela o abraçou. Passou sua língua no pescoço de Ernani. Logo uma fogueira foi acessa. Os corpos queimaram. Ele a possuiu. Ela o dominou. E logo chegaram ao êxtase. Nessa beleza estranha ela o olhou e sorriu. Lindamente. Ele sentia o corpo adormecer. A cabeça pesava. E então suas vistas não conseguiram ficar abertas dentro daquela beleza”.
E foi pela manha que acordou, debaixo de um coqueiro por entre um arbusto de flores brancas, perto da praia. A imagem dessas flores brancas ficaria gravada na sua memória, como um símbolo do inusitado. No caminho dos bangalôs. Ele se espreguiçou, com o rosto inchado de sono, esfregou os olhos. Que sonho estranho. Bateu à areia e dirigiu-se para o balcão de recepção. O administrador estava de cabeça baixa, o mesmo que havia trazido ele e os outros, vendo alguns papeis sobre o balcão. Quando ele levantou a cabeça e viu Ernani, no mesmo momento ficou branco de espanto. Limpou os óculos. Titubeou alguma coisa:
-é o senhor mesmo Sr. Ernani?
-mas é claro que sou eu. Só estou meio tonto. Com uma sede fora do comum. Aonde eu posso beber um pouco de água?
-mas onde o senhor esteve todo esse tempo? Procuramos o senhor por todos os lugares!
-eu sei que bobeei. Embora ainda não consiga entender bem como. Mas eu só passei uma noite fora. Preciso explicar isso a Noêmia e preciso de um banho e um bom café da manhã. Estou bem, não era necessário todo esse cuidado Sr. Vitor.
-como não Sr. Ernani? A polícia foi chamada! A marinha foi chamada! A sua noiva e seus amigos ainda ficaram um bom tempo para acompanhar as buscas!
-mas o que você está dizendo homem? Que estória é essa!
-mas o senhor é dado como desaparecido, já faz um mês inteiro!

  

Conto Oito. Brasília e Figuras Nebulosas.





Noite em Brasília

O rapaz narigudo desceu do carro sem gasolina, perto das árvores, próximo a Esplanada dos Ministérios, e pensou ver uma luz curiosa, castanha brilhante logo adiante, e caminhou até aquele lugar. O vento parecia lhe dizer estranhas palavras, escondidas palavras. Frases completas:
“vem Armando, aqui é o lugar que procura”.
Ele passou a mão no rosto suado. E o vento disse mais alguma coisa:
“Os olhos ludibriam mais que uma imaginação expectante”.
No fundo da claridade um local foi tomando forma. Uma força elétrica estava no ar, como milhões de vaga-lumes a dançarem nos seus olhos. Logo sabia onde estava. E não podia esconder o seu espanto. Corpos de seres bizarros: políticos e empresários famosos balançavam em um ritmo frenético, presos na música eletrônica. Naquele momento, enquanto a musica estridente tocava nunca o ridículo lhe parecera tão usual. Nunca Armando tinha visto tanta assimetria escondida por trás de tamanha falta de compostura. Alguns paletós e gravatas atiradas ao ar por malfeitores em plena alcoolização dos sentidos voavam como pedaços de uma história não contada, na luz caleidoscópica. Rostos ignotos fugiam dos ângulos das câmeras. E seus corpos pareciam desaparecer em pleno ar. O mistério era o senhor da festa. A embriaguês e a ilusão. 
Armando ficou chocado e não conseguiu proferir nenhuma palavra. E o vento ainda lhe lançou uma ultima mensagem quase enigmática:
“o que os seus olhos não percebem os celerados exultam”.

Uma Poesia de Meu Manuscrito "Choque de Corpos e Outros Poemas", que Aguarda Publicação.

Escrever


Jamais esconda o germe
Apenas a verdade sobrevive
Em repetidos versos escalonados.

Cogite a lenda, nefrálgica,
Que surgiu com o sol.

E então surpreenda o tempo com sua verdade.