segunda-feira, 30 de julho de 2012





A Cabeça de Leonardo

É Santa Catarina. Na época fria. Um rapaz está no seu quarto deitado. É um inverno nevoento, chuvoso, e parado. Nuvens negras se aproximam da cidade. Nesse cenário, plana uma nuvem sonolenta nos sentimentos de Leonardo. Ela vai lenta e beija a tona d’água. Mesmo essa imagem bucólica, essa figura de linguagem cheia de significados pessoais, nada representa para ele. O fato de existir essa nuvem, que sorrateiramente se assenhora dele suavemente, é que não lhe produz o mesmo efeito estético de uma pessoa normal. Leonardo, por mais que tente nada sente. Nada espera dessa imagem. A sua cabeça produz outras espécies de imagens. Coisas saídas das profundezas. Escuras, curvas, indecentes.
“Faço-me um rio, quer caudaloso, hora calmaria. Eu controlo isso. Às vezes sou tardo no brilho do sol, às vezes uma perfeição amorosa para quem me vê os seres marinhos que quiser.”  
Leonardo disse essas estranhas palavras, sorrindo para a menina da lanchonete. Ele estava calmo, quase extático, mas pensando mil outras coisas. Sua mente nunca parava de maquinar. Arranjar e rearranjar: objetos obscuros e mais obscuros e extravagantes idéias. Ele tinha sua própria luz estranha. E era uma luz a incidir tão rente as idéias que lhe roçava as visões. Ninguém naquela pequena cidade do interior ligava para as suas estranhezas achavam que eram coisas de um adolescente solitário. Algumas pessoas se sentiam incomodadas em sua presença, tinham um sentimento confuso e indefinido, mas decididamente sentiam que era ruim. Que ele não era uma pessoa normal. Uma semana antes do dia da independência, uma menina desapareceu. Alguém disse que ela tinha fugido de casa e ido a Florianópolis. Outros diziam que ela estava escondida na casa de um namorado secreto. Uma menina gorda e sardenta chegou a comentar que ela era uma viciada, que deveria estar morta, que havia sido apagada como uma vela. Mas nesse processo de imaginação e palpites, ninguém havia contado com a casa “da ultima rua”. Ou melhor, das ruínas de uma casa que havia pertencido a um descendente de polacos. A residência havia se incendiado há dez anos. Nesse local afastado, foram encontrados uma blusa rasgada e um anel. A polícia apareceu e ficou um bom tempo por ali. Fato medonho. Passaram o pente fino, e não conseguiram acha mais nada. O fato de que em anos anteriores restos de cães e gatos terem aparecido, naquela região da cidade, com cortes e suturas, e outras coisas estranhas, não serviu para solucionar o mistério. Um amigo de  pernas tortas, havia comentado com Leonardo sobre essa tragédia, ele se resumiu a dizer que ela já estava morta e enterrada. “Mas que evento bizarro!” - disse alguém, é igualzinho aos filmes de assassinos seriais! Outros faziam piadas cruéis e escreveram em seus blogs sobre o assunto. Mas ninguém conseguia atinar sobre a verdade. Dali a um tempo surgiu um boato de que a menina desaparecida, havia surgido, mais magra e feliz em outro Estado do país. Mais ninguém soube dizer o certo.

Leonardo chegou a casa com movimentos febris e imprecisos os olhos faiscantes, ficou nesse estado de animo durante uma hora. Havia trazido um troféu. Depois ele voltou a sua postura original, quieto, olhos parados, sua cabeça totalmente voltada para o seu mundo interior. Um mundo sombrio, enigmático, além da compreensão humana. Ele preferia dissecar pequenos bichinhos. Literalmente. Adorava livros de anatomia, dvd´s de cirurgias e acidentes violentos, quantos mais reais, melhor. Será que algum dia poderia fazer uma cirurgia, mesmo sem ser medico? Isso deveria ser permitido. Pensou bem sobre isso, afinal tinha certeza que conseguiria. Ele tinha o temperamento. A coragem. E com uma vantagem, suas mãos não tremiam. Porque não sentia empatia.
Ele voltou ao seu quarto. Deitou na cama e esboçou um sorriso. Em sua mão direita uma pequena mecha de cabelos claros amarrados por uma fitinha preta, lhe proporcionava a calma que precisava. o seu troféu. Nos noticiários  e na internet, todos perguntavam sobre a solução dessa estranha supressão. Mesmo com os acontecimentos dantescos daquela semana, Leonardo não havia se alterado. Era como se nada houvesse ocorrido. Logo começou a ficar sonolento. Talvez mais tarde retornasse a sorveteria para ver a garçonete bonita. Mas agora estava calmo e absorvido em suas fantasias. Apertou o travesseiro por entre os braços. E dentro de sua mente, voltou-se com suavidade a namorar o leito do rio, com ósculos de mil nuvens soníferas a beijar-lhe a face. E então fechou os olhos e adormeceu tranqüilo. E essas imagens já se foram. 

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