quarta-feira, 1 de agosto de 2012






Balão de Ensaio

Essas coisas horrendas que acontecem a políticos desavisados. Mauricio de Nassau, um Deputado tido como confuso e arrogante, achava que isso nunca aconteceria com ele, ainda mais que agora estava perto de desfrutar de sua aposentadoria. Para alguns políticos de fora daqueles muros ignóbeis, ele não valia nada, fora acusado de compra de votos, e isso bastou para que ele fosse evitado, relegado ao ostracismo, por pura hipocrisia. Quando chegou, até que estava calmo e paciente. Como se fosse um turista, estendido em uma rede de dormir, bebericando um Martini. Ele ouvira, sem o querer, de um agente que lhe lançava um olhar de reprovação, as palavras de alto e bom som, que quem comprava votos tinham terríveis defeitos intrínsecos. E ainda, e que, nem o próprio Mauricio o candidato, acreditava em si mesmo. Que nem a esposa os filhos, e muito menos os parentes, pareciam acreditar no seu futuro politico, e que o restante da população havia formado uma imagem mental, de que sujeitos assim, não eram pessoas sérias, digna de algum laivo de compaixão. Foi com essas palavras que o dito agente policial se referiu a conduta de Nassau. Seria esse sujeito um vidente? - pensou  Mauricio preocupado. Diante dessa realidade fantasmagórica, quando a ficha caiu de vez, o pobre político lamentou peremptoriamente, e em uma encenação bem treinada, constrangeu o carcereiro com um choro convulsivo, e até ofereceu uns trocados ao delegado. Coisas típicas de políticos corruptos. Disse com meias mentiras ao delegado, que havia passado por uma artroscopia para corrigir uma lesão no tendão patelar do joelho esquerdo, lesão adquirida quando discursava em uma sessão da câmara sobre uma ajuda financeira a uma comunidade carente. Isso porque, aquelas pobres almas precisavam comer também, não? E por isso, por causa do patelar, sofria de dores lancinantes. Ele dizia essas inverdades massageando o joelho esquerdo. Era quase um mistério porque justo agora se lembrava ou inventava tal coisa. O "ator" persistiu em seu papel. Com os olhos marejados de lagrimas, disse também que estava abalado emocionalmente. Afinal dizia que era extremamente sensível, sobre o destino de nosso país. Que estaria com os seus nervos abalados por causa de um pedido de vistas sobre um julgamento no Supremo Tribunal Federal, da extradição de um suposto terrorista e assassino, um pobre militante de esquerda italiano. Na realidade, todos esses casos de prisões e condenações, haviam lhe causado tamanha comoção que sequer conseguia comer. Lembrava nitidamente, dizia, que tal mal, ou comoção, teve inicio um dia antes da prisão, em sua casa, na hora sagrada do almoço, em uma frugal refeição.  Lembrou-se que a colher de ouro ficou a centímetros de sua boca, e em seu prato de porcelana francesa, um reles e gordo pedaço de salmão ao molho de maracujá, algo trivial, jazia inerte no prato, acompanhado é lógico de uma boa safra de vinho branco, pois não queria nesse momento crucial de sua vida, ferir as normas da boa etiqueta maculando o casamento perfeito de um fruto do mar com um tinto, mesmo de nobre procedência. Nessa narrativa aparentemente desconexa, procurava fazer a relação entre as razões do processo civilizatório e a conduta do homem diante do imponderável. Ele tentava entender algo sobre essa arbitrariedade perpetrada contra ele. Em nome de que injustiça e descalabro, afinal ele realmente estaria fazendo ali, ponderou. Como se perde tempo com coisas mesquinhas, com meras suposições, querendo extrair disso qualquer outra idéia absurda. E daí, se existia fartas provas documentais e testemunhais? Estão todas saturadas de vícios insanáveis. E o pior de tudo, ele sentia, inexplicavelmente, de todas aquelas pessoas pobres que ali estavam, uma emanação estranha e presente de rancor e ódio direcionados a ele. Jurava por todos os santos, que não tinha cometido nenhuma irregularidade, e o delegado pareceu acreditar ou pareceu estar cochilando nesse depoimento fantasioso. Comprar votos, Mauricio perguntava aborrecido. O que significa isso afinal? Ele queria que lhe dissessem a raiz do problema, de que interpretação jurídica advinha a tal afirmação de que ele era culpado. Ou era isso ou fundaria uma associação de madrastas, afirmou decidido, embora na cabeça das pessoas destituídas de conhecimento, essa categoria fosse execrada como fazedoras de maldades, e na opinião do incauto, estas, nesse suposto defeito, só perdessem para os mordomos e talvez os empresários do ramo da construção civil. Se juntar a isso a constatação de que setenta por cento dos presos no país, não trabalham, nem após serem presos, e então teremos noção exata das injustiças praticadas em nome de boatos e “disse-me-disse”. O delegado abriu os olhos, e interrompeu a sua fala para perguntar o que a sua prisão tinha a ver com madrastas e a faina dos presos. Ele respondeu que estava meramente fazendo uma afirmação retórica, que segundo a teoria da física holística, tudo no universo estava interconectado, como uma teia de aranha, e que não esperava que o delegado entendesse os pormenores dessa tese tão sofisticada. O delegado pensou que teias de aranha é que tinha aquele cérebro de asno, e recostou-se na cadeira amofinado. Mauricio continuava a se lamentar. Por que haveria de ser assim? Acreditava que o Brasil estava liderando o mundo, que nossa força sindical era a prova viva disso, que tínhamos a presteza, a inteligência e o remédio para a ressaca da crise mundial. E então, em mais uma guinada de raciocínio, ele falou que trocaria de carro, ou melhor, compraria um carro com uma blindagem DuPont. Pois como disse uma vez, um grande Presidente da Republica, metalúrgico de formação, “na democracia quem tem desprezo pelo conhecimento jamais chega ao Palácio do Planalto”. O delegado já abatido, por tamanha falta de lógica e bom senso desse homem enfadonho, decidiu mandá-lo para a cela. Mauricio depois que levantou da cadeira, em mais uma tirada repentina, ainda fez uma ultima pergunta. Ele queria saber se existia naquele presídio alguma charutaria. Como se vivesse num universo a parte daquela realidade. E ainda, após ir para sua cela e vislumbrar o encantador brilho da lua cheia, ele acreditou piamente que logo estaria solto. Ele acreditava, ou melhor, sabia que era inocente. E talvez seu advogado também. Onde já se viu que comprar votos podia levar alguém para a prisão, um lugar como aquele que nem um cachorro se sentiria a vontade? Mauricio de Nassau estava cada vez mais convencido que havia sido pego como um bode expiatório, ou o que era pior, certamente estava servindo de cobaia pelos domínios, para uma experiência sociológica sem sentido, como se estivesse num grande balão de ensaio. O que ele sabia ao certo era que ele era um político e não um rato de laboratório. Embora procurem associar as duas espécies. Um político e um rato podem se parecer, mas decididamente não tem objetivos comuns. Se pudessem colocar os dois dentro de uma gaiola com um pedaço de queijo, apesar do poder de barganha que teriam, e dos artifícios retóricos, haveria mil razões para que se destruíssem mutuamente. Mas isso foram divagações da mente enfadada de Mauricio. Já que estava ali, procurou se acomodar da melhor maneira possível, e se decidiu dormir. Aquela noite tudo transcorreu de uma calma e silêncio incomuns. Mesmo no pavilhão dos assassinos em serie. No outro dia, quando o carcereiro foi à cela de Mauricio, levou um susto. No lugar onde deveria estar o preso, uma poeira rascante de gás nobre impregnava o ambiente. Uma poeira dourada banhada por um fino facho de luz do sol. O carcereiro esfregou os olhos para ter certeza do que via e do que não via. Nem o terno do nobre político restou dessa experiência extravagante. No dia seguinte ao ocorrido, as autoridades assustadas, mandaram fechar aquela prisão infernal. Afinal, como poderiam estar seguros, se até um deles que desfrutava de todas as benesses, poderia ser vitima das mazelas do sistema judiciário? Seria realmente um ultraje que um homem público, um deles naturalmente, por um azar desses da vida, sequer tivesse  o desprivilegio de passar perto de um sistema assim. Poderiam  desaparecer nele.