Balão
de Ensaio
Essas
coisas horrendas que acontecem a políticos desavisados. Mauricio de Nassau, um
Deputado tido como confuso e arrogante, achava que isso nunca aconteceria com
ele, ainda mais que agora estava perto de desfrutar de sua aposentadoria. Para
alguns políticos de fora daqueles muros ignóbeis, ele não valia nada, fora
acusado de compra de votos, e isso bastou para que ele fosse evitado, relegado
ao ostracismo, por pura hipocrisia. Quando chegou, até que estava calmo e
paciente. Como se fosse um turista, estendido em uma rede de dormir,
bebericando um Martini. Ele ouvira, sem o querer, de um agente que lhe lançava
um olhar de reprovação, as palavras de alto e bom som, que quem comprava votos
tinham terríveis defeitos intrínsecos. E ainda, e que, nem o próprio Mauricio o candidato, acreditava em si mesmo. Que nem a esposa os filhos, e muito menos
os parentes, pareciam acreditar no seu futuro politico, e que o restante da população
havia formado uma imagem mental, de que sujeitos assim, não eram pessoas sérias,
digna de algum laivo de compaixão. Foi com essas palavras que o dito agente policial se referiu a conduta de Nassau. Seria esse sujeito um vidente? - pensou Mauricio preocupado. Diante dessa realidade fantasmagórica, quando a ficha caiu de vez,
o pobre político lamentou peremptoriamente, e em uma encenação bem treinada, constrangeu o carcereiro com um
choro convulsivo, e até ofereceu uns trocados ao delegado. Coisas típicas de
políticos corruptos. Disse com meias mentiras ao delegado, que havia passado
por uma artroscopia para corrigir uma lesão no tendão patelar do joelho
esquerdo, lesão adquirida quando discursava em uma sessão da câmara sobre uma
ajuda financeira a uma comunidade carente. Isso porque, aquelas pobres almas
precisavam comer também, não? E por isso, por causa do patelar, sofria de dores
lancinantes. Ele dizia essas inverdades massageando o joelho esquerdo. Era
quase um mistério porque justo agora se lembrava ou inventava tal coisa. O "ator" persistiu em seu papel. Com os
olhos marejados de lagrimas, disse também que estava abalado emocionalmente.
Afinal dizia que era extremamente sensível, sobre o destino de nosso país. Que estaria com os seus nervos abalados por causa de um pedido de vistas sobre um
julgamento no Supremo Tribunal Federal, da extradição de um suposto terrorista
e assassino, um pobre militante de esquerda italiano. Na realidade, todos esses
casos de prisões e condenações, haviam lhe causado tamanha comoção que sequer
conseguia comer. Lembrava nitidamente, dizia, que tal mal, ou comoção, teve
inicio um dia antes da prisão, em sua casa, na hora sagrada do almoço, em uma
frugal refeição. Lembrou-se que a colher
de ouro ficou a centímetros de sua boca, e em seu prato de porcelana francesa, um reles e gordo pedaço de salmão ao molho de maracujá, algo trivial, jazia
inerte no prato, acompanhado é lógico de uma boa safra de vinho branco, pois
não queria nesse momento crucial de sua vida, ferir as normas da boa etiqueta
maculando o casamento perfeito de um fruto do mar com um tinto, mesmo de nobre
procedência. Nessa narrativa aparentemente desconexa, procurava fazer a relação entre as razões do processo civilizatório e a conduta do homem diante do
imponderável. Ele tentava entender algo sobre essa arbitrariedade perpetrada
contra ele. Em nome de que injustiça e descalabro, afinal ele realmente estaria
fazendo ali, ponderou. Como se perde tempo com coisas mesquinhas, com meras
suposições, querendo extrair disso qualquer outra idéia absurda. E daí, se
existia fartas provas documentais e testemunhais? Estão todas saturadas de
vícios insanáveis. E o pior de tudo, ele sentia, inexplicavelmente, de todas
aquelas pessoas pobres que ali estavam, uma emanação estranha e presente de
rancor e ódio direcionados a ele. Jurava por todos os santos, que não tinha
cometido nenhuma irregularidade, e o delegado pareceu acreditar ou pareceu
estar cochilando nesse depoimento fantasioso. Comprar votos, Mauricio
perguntava aborrecido. O que significa isso afinal? Ele queria que lhe
dissessem a raiz do problema, de que interpretação jurídica advinha a tal
afirmação de que ele era culpado. Ou era isso ou fundaria uma associação de
madrastas, afirmou decidido, embora na cabeça das pessoas destituídas de
conhecimento, essa categoria fosse execrada como fazedoras de maldades, e na
opinião do incauto, estas, nesse suposto defeito, só perdessem para os mordomos
e talvez os empresários do ramo da construção civil. Se juntar a isso a
constatação de que setenta por cento dos presos no país, não trabalham, nem
após serem presos, e então teremos noção exata das injustiças praticadas em
nome de boatos e “disse-me-disse”. O delegado abriu os olhos, e interrompeu a
sua fala para perguntar o que a sua prisão tinha a ver com madrastas e a faina
dos presos. Ele respondeu que estava meramente fazendo uma afirmação retórica,
que segundo a teoria da física holística, tudo no universo estava
interconectado, como uma teia de aranha, e que não esperava que o delegado
entendesse os pormenores dessa tese tão sofisticada. O delegado pensou que
teias de aranha é que tinha aquele cérebro de asno, e recostou-se na cadeira
amofinado. Mauricio continuava a se lamentar. Por que haveria de ser assim?
Acreditava que o Brasil estava liderando o mundo, que nossa força sindical era
a prova viva disso, que tínhamos a presteza, a inteligência e o remédio para a
ressaca da crise mundial. E então, em mais uma guinada de raciocínio, ele falou
que trocaria de carro, ou melhor, compraria um carro com uma blindagem DuPont.
Pois como disse uma vez, um grande Presidente da Republica, metalúrgico de
formação, “na democracia quem tem desprezo pelo conhecimento jamais chega ao
Palácio do Planalto”. O delegado já abatido, por tamanha falta de lógica e bom
senso desse homem enfadonho, decidiu mandá-lo para a cela. Mauricio depois
que levantou da cadeira, em mais uma tirada repentina, ainda fez uma ultima
pergunta. Ele queria saber se existia naquele presídio alguma charutaria. Como
se vivesse num universo a parte daquela realidade. E ainda, após ir para sua
cela e vislumbrar o encantador brilho da lua cheia, ele acreditou piamente que logo
estaria solto. Ele acreditava, ou melhor, sabia que era inocente. E talvez seu advogado também. Onde já se
viu que comprar votos podia levar alguém para a prisão, um lugar como aquele
que nem um cachorro se sentiria a vontade? Mauricio de Nassau estava cada vez
mais convencido que havia sido pego como um bode expiatório, ou o que era pior,
certamente estava servindo de cobaia pelos domínios, para uma experiência
sociológica sem sentido, como se estivesse num grande balão de ensaio. O que
ele sabia ao certo era que ele era um político e não um rato de laboratório.
Embora procurem associar as duas espécies. Um político e um rato podem se
parecer, mas decididamente não tem objetivos comuns. Se pudessem colocar os
dois dentro de uma gaiola com um pedaço de queijo, apesar do poder de barganha
que teriam, e dos artifícios retóricos, haveria mil razões para que se
destruíssem mutuamente. Mas isso foram divagações da mente enfadada de
Mauricio. Já que estava ali, procurou se acomodar da melhor maneira possível, e se decidiu dormir. Aquela noite tudo transcorreu de uma calma e silêncio incomuns. Mesmo
no pavilhão dos assassinos em serie. No outro dia, quando o carcereiro foi à
cela de Mauricio, levou um susto. No lugar onde deveria estar o preso, uma
poeira rascante de gás nobre impregnava o ambiente. Uma poeira dourada banhada
por um fino facho de luz do sol. O carcereiro esfregou os olhos para ter
certeza do que via e do que não via. Nem o terno do nobre político restou dessa
experiência extravagante. No dia seguinte ao ocorrido, as autoridades assustadas, mandaram
fechar aquela prisão infernal. Afinal, como poderiam estar seguros, se até um deles que
desfrutava de todas as benesses, poderia ser vitima das mazelas do sistema
judiciário? Seria realmente um ultraje que um homem público, um deles naturalmente, por um azar desses da vida, sequer tivesse o desprivilegio de passar perto de um
sistema assim. Poderiam desaparecer nele.