Percepções
Com seus olhos de
tristeza, ele só conseguia ver um prédio deprimente e sombrio. Mesmo este sendo
moderno e recém-construído, parecia embotado. As paredes eram nuas de
sentimentos. Com seus doze andares, a pouca luz que se podia divisar, só
permitiam adivinhar as grandes janelas de vidro fosco, onde algum movimento, às
vezes era perceptível: sombras como espectros, mãos balançando, cabeças em
negativa. Orlando chegou primeiro ao prédio. Não queria vir, estava ansioso,
entretanto, poderia reverter as coisas. Tudo na vida tem um jeito. Ainda poderia
salvar a situação. Apesar dos seus olhos terrivelmente tristes.
Ela por sua vez era
quase feliz. E finalmente chegou ao prédio, que mesmo à noite reluzia. De suas
grandes janelas de vidro, podiam-se sentir os risos alegres, o som dos brindes
de copos de cristal. O prédio moderno e novo resplandecia a noite. Suas cores e
luzes e luzes lembravam um belo dia festivo, e de suas paredes desprendiam uma
estranha e gostosa energia de felicidade. Fátima estava radiante. Poderia voar
se pudesse. Enfim era uma chance de recomeço. Mas por hora, só queria subir até
a sala do advogado e resolver a situação.
Da mistura da alegria
com a tristeza, saiu algo confuso. Esse casal sempre foi anfibológico mesmo. Nesse
processo de acertos e claudicações, muita coisa foi dita, mas a digestão foi difícil,
manhosa. Os dois saíram juntos do
prédio, enquanto desciam no elevador, pareciam que estavam invisíveis um para o
outro. Um constrangimento alheio parecia um muro a separá-los. Orlando e Fátima.
A tristeza e a quase felicidade. Perguntamos se a situação foi resolvida, se
houve sequer uma pequena luz que brilhasse nessa escuridão de sentimentos. O caso
não foi resolvido, e pior, os dois saíram mais embolados do que antes.
Enroscados como duas serpentes no acasalamento. Mais apaixonados do que antes. Embora,
não quisessem admitir isso um para o outro. Coisa estranha é a relação humana. Quando
no escritório do advogado, Fátima estava decidida a começar vida nova, a formalizar
o divórcio. Quando viu Orlando, suas pernas fraquejaram, sentiu um frio na
barriga que quase fez subir o jantar pela goela à cima. Ele por sua vez, ao
perceber que ela não decidiria nada naquele momento, sentiu uma emoção difícil de
descrever, sentiu que ressurgira das cinzas, como uma fênix, esperançoso,
embora as percepções dos dois continuassem diferentes, individuais. Mas quem
disse que o amor é a visão única? Pensou ele. Eles ainda poderiam dar certo. Bastasse
tão somente, que suas visões fossem claras o suficiente, e tentassem ver bem. Que
enxergassem um ao outro em suas visões singulares.
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