quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Conto Quatro. Um Ponto de Vista.





O Passeio

E então o detetive particular foi chegando próximo a mata fechada, onde ainda restava alguma luz visível. Pensou discernir alguma forma por entre os arbustos. Engano. Eram apenas sombras que brincavam com os galhos e atormentavam os insetos. Mas porque aceitou esse trabalho? O cara pechinchou até quase lhe tirar as roupas. Sim- respondeu, ele desconfiava que a mulher o traísse. Não. Nunca havia tirado fotos dela em motéis. Que cara chato. Esse cliente tinha uma maneira obsessiva de pedir as coisas.
Entrou mais ainda na mata, e caminhava como que deslizando com passos lentos e estudados. Pensava na inutilidade desse ato, ali quisera resolver alguma coisa, queria divisar a descoberta. A melhor para todos: ela, saindo sorridente por entre os galhos verdes, dizendo que havia se atrapalhado, que havia perdido a bolsa e os documentos. Mas ao invés disso, desse pensamento otimista, estava diante de uma perna nua, com as unhas pintadas de vermelho. Uma perna de mulher.
O detetive particular saiu da mata. Olhos arregalados. Cara de espanto. Guardou as coisas no carro. Procurou o GPS e não achou. Limpou a maquina fotográfica digital, para clarear as idéias. Tirou o celular da pasta e ligou para o seu cliente.
-alo. É o Sr. Silveira? É melhor o senhor vir pessoalmente. Eu creio que será necessária uma boa dose de sangue frio do senhor. E também traga um medico.
Quando Silveira chegou seguido de seu medico, o detetive particular os levou até aquele local malfazejo. Por entre o verde de alguns capins altos e inclinados, encontraram uma perna que ia até o joelho apenas. Uma parte incompleta da esposa do pobre Silveira. O médico abraçou o seu cliente que chorava copiosamente. O médico condoído indagou: 
-eu não sabia que sua esposa tinha uma prótese desse tipo, aliás, eu nem sabia que ela era amputada. Ninguém sabia.
-eu nunca contei para ninguém, era um segredo nosso.
O detetive falou que talvez alguém perto dali, soubesse do paradeiro da jovem senhora, e que faria uma sondagem para tentar descobrir alguma coisa. Afinal, uma mulher pulando em uma perna só não podia ir muito longe. Os três homens foram até um casebre ali perto e interrogaram os moradores. Mas ninguém parecia ter visto nada. Eles já se preparavam para ir embora quando chegou um menino correndo. Ele falou que tinha visto uma mulher perneta apoiada por um negro magro e dentuço. Os dois entraram em um carro popular meio desgastado pelo tempo, e seguiram na direção da ponte. O desconsolado Silveira encheu-se de esperança, afinal ela poderia ter se ferido e ter sido ajudada por alguma boa pessoa. Apesar dos tempos sombrios em que vivemos, existem pessoas de bem, prontas a ajudar. Ele já esboçava um sorriso de um mitigo luzente, quando o menino inadvertidamente disse que uma vez dentro do carro eles começaram a se beijar, a se esfregar e ela começou a proferir ruídos estranhos, como se gemesse algum animal vexado. O pobre Silveira arregalou os olhos e deixou o queixo despencar das alturas do bigode. E então o medico tentou dar-lhe um abraço amigo e foi empurrado por mãos indignadas:
- Onde já se viu? Ela beijar um total desconhecido? - disse o miserável Silveira.
Tudo isso para ele era realmente um disparate. O marido colérico acusou o pequeno menino de inventar essa estória, de uma mente infantil com excessiva riqueza de imaginação. Mas o detetive já calejado dessas estórias de cônjuges desconjuntados e desmembrados já percebia a verdade e  ficou calado, tentou entregar a Silveira a perna de sua esposa, ou melhor, a prótese que imitava uma idêntica perna de mulher que tinha as unhas pintadas de vermelho. Mas Silveira não via mais nada de objetivo. Só queria saber por que ela ainda não tinha telefonado para ele.       






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