quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Conto Três. O Que é Um Sonho?





O Menino que Pula o Barco

Ele pulou igual a um gato. Eram oito embarcações lado a lado, e ficou satisfeito quando finalmente conseguira pular do “laço de família” para “o bispo”. Esse menino tinha esse jeito peculiar de saltar: com uma perna de cada vez à medida que avançava em uma corrida arriscada, barco a barco mesmo quando o balanço da maré era forte. Essa estripulia lhe lembrava, em sua maneira um tanto pueril de ver as coisas, um jogo de amarelinha, com suas seguranças e suas quedas. Lulinha era pequeno e magro, pés descalços e uma grande vontade de agradar o pai, o Jeremias pescador. Como se não bastasse, ele dizia ao pai que um dia seria o capitão de um grande navio, que circundaria o mundo e veriam todos os por do sois que houvesse para ver. Que a liberdade que prezava acima de tudo o impulsionaria em suas viagens.
Era assim que o garoto pensava. O futuro e o que viesse depois disso. Um capitão de navio. Mas o pai ficou doente de tuberculose, e então, tiveram que se mudar, de ser afastar do vento do mar, das noites de inverno da praia. A família foi levada para uma viajem sem retorno para longe do litoral e do sonho de lulinha de se tornar um dia um capitão de navio. Por um tempo, ele ficou assim meio extático e carrancudo, crédulo que ele havia perdido a sua liberdade e que nunca mais sentiria aquela sensação maravilhosa, plena, de quando ele saltava os barcos balançados pela maré.
Contudo, o tempo passou, correu como se a lua e o sol estivessem com pressa, o menino espichava e ganhava pêlos como um bicho. Ele cresceu.  Descobriu o prazer em outra atividade. No esporte, de corrida com barreiras. Ali percebeu que aquela técnica particular, de correr e pular com uma perna de cada vez, lhe seria útil. Então havia outras formas de liberdade, ponderou. Que poderia sentir aquela mesma sensação sublime de maneira renovada. E o mar, e a viajem, eterna naquele mar eterno? Aquele pensamento custou a desgrudar dele. Por aonde ele ia, o mar e o seu cheiro, o som das ondas, o barulho que faz os cardumes quando saltavam em fuga, e o olor de alga misturado a estrelas. Ele levava consigo todas essas imagens, e sentia todas essas coisas, em seu corpo, em suas roupas, nos seus cabelos enleados. E essa lembrança ele não deixaria que fosse embora.
Quando ele pensou que tinha esquecido suas raízes, ocorreu um fato curiosíssimo.  Um dia o nosso atleta estava se preparando para disputar uma “bateria” dos jogos sul americanos. As grandes emissoras de televisão estavam lá. E valia medalha. Lulinha era um dos favoritos. Uma chuva fina estava caindo desde cedo. A temperatura estava nos cinco graus apenas. Estava frio demais. Nessas condições adversas, o nosso amigo corredor, estava no vestiário quentinho, no maior conforto, quando bateu um sono contagiante. Ele logo adormeceu e seus roncos podiam ser ouvidos por todo o estádio. Na hora marcada para a prova, os juízes e organizadores deram pela falta de um competidor. Um fiscal foi mandado ao vestiário para encontrá-lo. O rapaz chegou à porta e ouviu um som estranho. De ondas que batem como marouços turbulentos. Lá dentro era ouvidos gritos de homens como a comandar um navio. O fiscal coçou a cabeça incrédula. Bateu na porta, para que alguém o ouvisse. E como o som de estronde foi aumentando ele tratou de se afastar dali correndo.  E num minuto depois, quando ninguém estava esperando, as portas foram arrombadas por um grande volume de água. Era água do mar, que em uma torrente criou um grande rio que cortou o estádio ao meio. A multidão maravilhada via por entre as águas grandes cardumes e baleias em um desfile pasmoso. Quando todos já estavam se acostumando a essa visão extranormal, um navio a vela saiu do vestiário. Uma escuna de três mastros, grande e elegante, com a tripulação completa, e o mais incrível, o nosso amigo, o menino que na infância pulava barcos, estava no leme como um capitão. Todos se entreolhavam e discutiam o porquê desse prodígio. As emissoras de televisão que estavam cobrindo aquele evento esportivo pensaram que aquilo tinha sido uma surpresa de ultima hora dos organizadores, e trataram de levar ao mundo todo, essa noticia interessante como se fizesse parte daquele evento esportivo. Mas o barco simplesmente seguiu aquele curso de rio marinho. Grandes velas brancas abertas, rumo a um destino desconhecido. Na descida do sol. Rumo ao sonho do menino.  

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