segunda-feira, 30 de julho de 2012







O Jardim de Miosótis

A pobre velha via uma casa linda que simbolizava toda a sensação de liberdade que sentia: era branca e rosa, tinha amplas janelas, um jardim de miosótis, de cheiro resplandecente, tijolos no piso de entrada. Uma cerca branca, dessas de madeira, e do lado direito da parede externa uma grande arvore frondosa. Sentia-se livre e rejuvenescida como aquela casa. Porque a havia comprado? A sim! Agora lembrava! Ela foi salva por um super herói. Tudo começou em outro lugar, em um dia fatídico. Na décima oitava surra que levara do marido. Quando o seu braço esquerdo estava quase quebrado. Quando o seu baço estava inchado. Quando os hematomas eram tantos que pareciam que procriavam, ela foi salva. Ele chegou à meia noite. No silencio dos pinhais. Ela não sabe como ele entrou na casa velha. Mas o viu. Alto e forte. Louro de olhos azuis. De capa e tudo. Um típico herói americano. E então ele entrou no quarto do monstro. O monstro dormia. Roncava bêbedo como se nunca se tivesse alcoolizado. Com uma barba rala e desigual. Roncando estridentemente, não percebeu o primeiro golpe de machado que quase decepou sua cabeça. Depois o herói foi ao quarto dela. Sorriu. E disse que o serviço estava pronto. Acabado. E ela foi ao quarto do falecido marido. E viu. Que estrago! E eu que vou limpar tudo isso? A velhinha aceitou essa tarefa sanguinolenta, mas decidiu deixar para amanhã. Afinal ela estava com o braço quase quebrado e doía muito. Depois limparia tudo. Pois ele a havia salvado. Havia lhe dado a chance de outra vida.
No outro dia, de manhã bem cedo, como o sangue havia descido as escadas e dado na rua, os vizinhos chamaram a policia. Ela foi interrogada. Mas que herói perguntou irritado o delegado. Essa senhora é louca! Onde já se viu? Um super herói? Que invenção absurda para esconder um assassinato, pensou as pessoas assustadas que haviam visto a cena dantesca do quarto. A pobre velhinha virou uma noticia macabra no telejornal das vinte horas. Ela foi presa. E depois de algum tempo a levaram a um lugar. Era grande. De paredes brancas. Todos eram brancos mesmo os negros. Só tinha gente esquisita. Gente que babava. Gente que subia pelas paredes como moscas. Tinha um que gostava de comer na privada. Mas a velha ficou sozinha. Não era como eles!
Tempos depois veio um senhor e a olhou bem de perto. E decidiu que ela estava bem. Que havia esquecido seu herói. Que isso tinha sido há muito tempo. E então a deixaram ir.
Na noite de São Pedro ela chegou à casa nova. Aquela do começo de nossa historia. E como era a casa de seus sonhos e ela estava livre, pensou em chamar o seu herói para morar com ela. Mas onde ele estava? Havia sumido da face da terra. Possivelmente estava salvando outras velhas senhoras que eram torturadas por algum monstro. A velhinha sentou-se em sua cadeira de balanço. Em frente a sua casa que era branca e rosa, tinha amplas janelas, um jardim de miosótis, de cheiro resplandecente, tijolos no piso de entrada. Uma cerca branca, dessas de madeira, e do lado direito da parede externa uma grande arvore frondosa. E desfaleceu esperando o seu herói.


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