Do Pensamento Sentido
A rua está diferente. Que arvore é
aquela? E aquele gordo de óculos? Não quero ser chato, mas que cor horrível.
Quem pintou a casa assim? Eu disse que o verde musgo era mais bonito, que daria
uma majestade a casa! Só pode ser a Janaina. Ela gosta dessas cores berrantes.
Lá vem o gordo abrir a porta do carro. Afinal, quem é esse?
Depois de nove anos, três meses e vinte
e dois dias, Frasão voltava para a casa que morara e criara seus seis filhos. É
verdade que esse retorno não era programado, afinal, fazia muito tempo que
havia se separado de Janaina. Gostava da ex-mulher. Bem ele gostava um
pouquinho. Mas achava a comida dela boa. Serio. Afinal ele era professor de
filosofia. E embora ele houvesse procurado a verdade das coisas nos compêndios
e livros, no conhecimento, ele não pretendia ter a pureza, mas procurara a
verdade apenas. Ele é ou era, um mestre em semântica. Mas a informação mais
visceral sobre ele, era a de que estava doente. O coração estava falhando. Já
tivera três enfartes! Adorava churrasco! Era um carnívoro convicto. E esse
talvez tenha sido a razão de sua enfermidade. Embora ele achasse isso um
exagero. Para ele a principal razão fora apenas a sua vida corrida e estafante.
De quem foi à idéia de mandá-lo de
volta para a casa grande na capital? Não sabia. Mas desconfiava de alguém. Só
podia ter sido o Flávio o seu filho do meio. Mas que idiota! Agora teria que
agüentar o mau gosto de Janaina. A torta de carne de sol que ela cismava em
fazer todas as terças e quintas feiras. Essa obsessão culinária deve ser uma
espécie de compulsão parental, herdada da mãe dela. Um sinal de debilidade
mental. E tudo conspirava para que ele fizesse a pergunta outra vez: mas quem é
esse gordo de óculos?
“Escuta com sua vontade e duvida com
sua liberdade.” Dizia um antigo colega de cátedra. Eu ouvi meu amigo. E agora
onde estou? Tive a liberdade de duvidar. De que eu não seria capaz de cuidar-me
sozinho. Por telefone, fiz um simples comentário a minha filha Janine e pronto.
Logo arquitetaram um plano funesto. Feito nos mínimos detalhes. Depois eu
escutei com minha vontade os argumentos dos meus outros filhos! Ela elaborou o
teorema. Estou falando de minha ex-esposa. Ela disse que seria mais econômico,
pratico que eu voltasse para casa, que eu seria mais bem cuidado e etc.. O
problema é que não conheço mais essa mulher! Para mim ela é um enigma grego
amarrado em um nó gótico. Mas eu não quero ser repetitivo, perdoem-me, essa
minha indiscrição, mas essa minha curiosidade está me matando. A pergunta
fundamental é: quem é esse gordo?
Ainda não via o conjunto completo. Mas Frazão
estava mais calmo. Ele estava sentado no sofá da casa. Todos os filhos e netos
em volta. Como mariposas atraídas pela luz de uma vela já no acabamento da
cera. Estava apreciando uma replica ampliada de um quadro de Odilon Redon:
“Pandora”, onde uma imagem de silueta, que parecia ser uma mulher, segurava
alguma coisa. Uma caixa. Tudo seria perfeito se não fosse o gordo. Esse sujeito
estava sentado na poltrona no lado oposto da grande sala, e o olhava fixamente
por trás daqueles óculos. De vez em quando Janaina passava por perto dele e
dava um beijo um afago na cabeça do homem. “mas que situação!” cogita Frasão em
sua fisionomia impassível:
-ei Flavio, me da um copo de vinho!
-que é isso pai. Acabou de tomar o
medicamento ainda há pouco!
-então me dá a minha caixa de remédios.
-para que?
-para eu acabar logo com essa agonia!
O gordo se aproxima:
- oi professor Frasão. Meu nome é
Marcos Vehaüfen. O companheiro de Janaina. Quero dar-lhe as boas vindas em seu
retorno a sua casa. O senhor me honra muito com sua presença.
-um homem educado!
-permita-me dizer que sou mestre em
historia oriental e doutor em sociologia pela universidade de Madrid. Li os
seus artigos sobre semântica e achei-os brilhantes!
-é mesmo? Sinto-me lisonjeado. Marcos
não é?
-o que o ilustre professor precisar me
coloco a disposição! Aceita um suco de kiwi?
-bem. Ainda tem vinho? Pode me trazer
uma taça?
-imediatamente senhor.
“mas que distinta pessoa!” surpreendera-se
Frasão.
Todos os gozos e delicias estavam
dispostos e arrumados naquela mesa de jantar. De repente coisas que ele havia
esquecido, reapareceram ali naquele momento: o sorriso gostoso de Janine, as
piadas picantes de seu filho Luiz, a brincadeira dos netos, a maneira que seus
meninos se tratavam, com amor e sinceridade. Ate as lentidões de Flavio nesse
momento lhe parecia às pausas de um sábio a procura da iluminação. A muito que
procurava esse sentido, essa plenitude que sentia, mas o curioso é que sempre a
procurou no mundo das idéias, nas profundezas do intelecto. No entanto naquela
simples imagem, no aconchego da família, naquela interação amorosa parecia que
havia feito uma importante descoberta. Pode-se
dizer que durante quase toda a sua vida, ele saiu à procura de um sentido para
as coisas, os porquês, as essências filosóficas. Tudo fez para encontra esse
sentido, até angustiasse, até deprimisse. Mas ali naquele momento. No seio
farto de sua família, parecia-lhe que encontrara enfim o sentido da vida e das
coisas. O cântaro das águas esquecidas.
A margem que faltava na sua praia perdida. Apenas a verdade e a sina. Na melhor
das frases, a verdade pura.
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