A
Calçada e o Labirinto
Alguns amigos gostariam
que eu escrevesse continhos tipo: batatinha quando nasce se esparrama pelo
chão...mas infelizmente terá que ser este mesmo.. Que abre assim... Sereno,
mensagens e trafego. O fidalgo passeio das feras. O centro das vísceras. O
conteúdo maldito. O retraimento de vozes. É essa a rotina na vida dos irmãos
Santos. Magros, dentes pretos, olhos em eterno sono. Nossa historia se passa
nas ruas perto do Centro de São Paulo. As crianças malditas. Os trombadinhas. E
dessa maneira pouco lisonjeira que são tratadas pela maioria da população. É na
noite escura que as coisas ruins geralmente acontecem. Às vezes dentro de cobertores de jornais. Às
vezes é banho de chuva. E então, onde está a pedra? Perguntam-se ansiosos. A pedra mágica, O elixir amarelo, Para lavá-los
da realidade? De vez em quando o menor o de canelas finas rouba alguma coisa de
alguém. Ele tem essa habilidade. Ele tem que conseguir a pedra. O elixir.
Quando caia a noite a coisa é pior. O cheiro das feras. Elas rondavam a Praça
da Sé. O manancial sinistro, onde os irmãos e outros meninos dormem juntos,
apavorados, como um bolo, juntos. Os irmãos não gostam da noite, embora seja
nesses horários que procuram se movimentar. Mas existe o perigo. Presas de
pavor eles e as coisas permanecerão, até a manhã seguinte. Embora eles durmam
mais de dia do que de noite. Eles intimamente preferem o sol. Quando tem mais
gente é difícil alguém bater neles. Ninguém aceita que batam em crianças.
O mistério do sereno. Onde
Os Santos procuram nessa noite de sereno. Não conseguem achar “o gato de
botas”. Esse é o cara que geralmente vai buscar o elixir. Se ele não vier como
é que vai ser? É impossível viver sem! Nessa noite souberam que “o gato de
botas” foi pra vala. Ele deu bobeira. Não fez a entrega correta ou escondeu
algo de alguém. Só sabiam que a companheira dele uma velha de vinte e dois anos
havia assumido “o negocio”. Então cadê ela? A gente precisa agora! Cidade,
escadas e cúmulos limbos. O mais velho dos irmãos corre. Pessoas estão atrás
dele. Ele conseguiu pegar uma bolsa, de uma bruxa pintada que desceu de uma
carruagem sem cavalos. Na rua perto dos correios, perto daquele hospital
famoso. Ao chegar perto do irmão próximo ao fosso onde eles às vezes se
escondiam, ele conta. ”Corri desesperado cá dentro”. A bruxa parecia que estava
enfeitiçada, gritava, apontava para o menino, como se quisesse transformá-lo em
rocha. Eles se sentem aliviados, estão agora deitados na calçada da pedra do sono.
Após o elixir do dia. “É tão pouco”, reclamam “aonde tem mais”? Os corpos deles
tremem pelo efeito da droga. Um menino se aproxima deles e conta que o velho
Joaquim foi queimado vivo por uns homens que estavam bêbados. Ele disse que viu
o velho pegando fogo e gostou do brilho que ficou no ar. Mas o velho ficou todo
queimado, como um churrasco daqueles que “o baiano” vendia. E o cheiro! Que
bosta! Nessa noite na cabeça infantil daquele menino, o macabro casou-se com o
sublime.
Um dia o menor dos irmãos estava
na praça à tarde, sentado comendo um pedaço de sanduiche, que uma garota jogou
no lixo. O pequeno viu as feras. Arrepiou-se todo. Eles chegaram. Vieram em
três viaturas pretas da Guarnição de Choque. “agora vai ter bala” pensou. Mas
eles só queriam o “cafezinho” da banca de bicho. Qual será que foi o bicho de
hoje? Achava que talvez jogasse um dia. Ia jogar na borboleta. Ele a achava
esse pequeno inseto com assas bonito . E por que não? Uma borboleta é na
verdade uma fada. Ouvira um menino rico dizendo isso para o pai uma vez. Teria uma
imagem mais bonitinha? Cambaleando. O mais velho veio ferido. Os joelhos
ralados, um olho roxo, sangue nos lábios. Um andar esquisito. O pequenino
perguntou, mas o maior ficou calado, aborrecido. Escondeu a brutalidade do que
sofrera do irmão menor. Por pura vergonha. Era o final da tarde, o começo da
noite. Perto deles, na praça, figuras escuras iam chegando. Carregavam trapos
sujos, pedaços de papelão. Rostos quebrados. Curvas nas costas. Uma menina
tomada pela pedra ria descontroladamente, levantava o vestido poeirento para os
outros, mostrando os seios. Um gordo barbudo, poeirento, veio de mansinho e a
agarrou por trás. Todos riram.
A bruma deitada. É esse o
nome que davam para aquelas noites. As mais frias do ano. Quando não existia
nada que pudesse aquecer os seus corpos. Os irmãos fingindo dormir observavam
as indigentes formas. Próximos a eles uma mulher gorda morreu. Simplesmente
fechou os olhos. Cansada. Com estomago revolvido, o mais velho vomitou. O pequenino
balançou a cabeça desaprovando a fraqueza do outro: “mas que ‘bambi’”.
Um dia um sociólogo, um
homem barbudo de óculos de aro redondo, parou na praça e ficou observando,
chamou aquelas crianças viciadas, de fadas. As fadas negras. Por causa do sono
tecido em seus rostos durante o dia. Pelas noites insones causada pelo crack. Escreveu
até um livro com esse titulo, “as fadas negras”. Ele voltou outro dia, com um
grupo de pessoas. Elas queriam ajudar. Uma senhora pegou nos dedos do pequenino
e começou a chorar. O pequenino pediu algum dinheiro. E ameaçou: “se não der,
eu tomo!”
Todos sabiam que as feras espreitavam o despertar
das crianças. Desapareciam às vezes cinco, três, duas crianças por noite. E
aquele sociólogo sabia que os representantes do Estado, aqueles que teriam que
zelar por essas vidas, às vezes se cansavam dessa tarefa ingrata, e tomavam o
caminho mais fácil. Volteando em ócio. Na tênue teia. Eles vêm. Chegam de
mansinho. Passam de carros luzes ligadas. Procurando. Procuram os mais
desprotegidos. Como nos documentários do mundo animal. Aqueles filhotes que
desgarraram do grupo. E quais feras cercando, esperam. Para dar o bote
certeiro.
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